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terça-feira, 27 de outubro de 2020

A parte boa


Acho a nossa estratégia de sobrevivência muito poética. Para superar a dor, as mágoas, os rancores, a gente se apega sempre à parte boa e bonita da história.

É isso que garante, por exemplo, a perpetuação da espécie. A mãe esquece as dores na coluna e a azia da gestação, os incontáveis meses em privação de sono, as toneladas de fraldas (e os cifrões que isso envolve)... esquece tudo e engravida de novo!

Passa por tudo outra vez porque se apega à parte boa e bonita da história. Às mãozinhas sedentas por descobrir o mundo, aos olhinhos curioso, ao cheirinho de neném, às risadinhas por qualquer gracinha sem graça que a gente faz... Isso tudo também passa, mas disso a gente senta falta. E quer viver de novo.

Não. Eu ainda não estou nessa fase. Mas, semana passada, me peguei chorando, com saudade de amamentar. Sim! A gente não lembra do mamilo rachado, nem do leite empedrado. A gente lembra daquele carinho, do neném adormecendo nos seus braços na mais completa sensação de paz. E dá saudade.

É poético, né?! É a nossa forma de sobreviver.

E isso vale pra tudo.

Eu sei que virei noites concluindo trabalhos da faculdade, que não tinha dinheiro nenhum naquela época, que tinha um medo danado de não me encontrar na profissão. Mas, é muito mais latente na memória as tardes que eu passei jogada no Minhocão da UnB filosofando sobre a vida, as amizades que fiz com mulheres que são meu arrimo até hoje, as festas estranhas com gente esquisita, os churrascos sem carne dos cursos de engenharia... é essa a parte boa que fica!


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