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sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Mães invisíveis

Se tornar mãe é, arrisco dizer, a experiência mais transformadora que podemos viver. Um privilégio da mulher. Que traz com ele também uma carga.

A vida muda desde o instante em que você vê os dois risquinhos no teste de farmácia. 

Tá. "No instante" não. Leva um tempo pra sair do transe e a ficha cair

Mas, depois que cai... já era.

São nove meses de exame atrás de exame, restrições alimentares, preocupações: está bem? tem cinco dedos em cada mão? o coração está perfeito? está crescendo direitinho?

Na primeira morfológica (para quem ainda não passou por isso = ecografia que verifica a formação de todos os órgãos do bebê) a gente sua frio, um misto de medo e ansiedade pra saber logo se está tudo bem.

Tudo no lugar. Tudo formadinho

Um alívio. Um amém (pra quem é de amém).

Mas, e quando essa resposta não vem?

Os meus relatos aqui fazem sentido pra quem compartilha da minha bolha. Essa noção eu tenho. E isso começou a me incomodar há algum tempo.

A gente sabe do cansaço, da privação de sono, dos mamilos doloridos, da falta de tempo pra si mesma. A gente sabe e reclama de tudo isso. 

E tudo bem reclamar. É cansativo mesmo é ótimo que estejamos falando sobre isso. Desromantizar (a palavra da moda) é preciso

Mas, eu fico pensando que a gente passa por tudo isso tendo uma rede de apoio, tendo acesso à informação, tendo uma condição financeira ok e, o mais importando de tudo: tendo filhos saudáveis.

Quando falta qualquer um desses elementos a carga é MUITO maior. Quando a complicação é na saúde... não sei nem dizer.

Das sincronicidades que a vida tem, uma apuração no trabalho me afundou nessa reflexão. 

Como é a realidade das mães de bebês com deficiência?

As mães dos bebês com microcefalia, como ficaram conhecidas. O zika vírus que mudou a realidade de tanta gente. A microcefalia é a síndrome mais comum, mas vem associada a inúmeras outras complicações: epilepsia, problemas de visão, de audição, de fala, de deglutição... 

O surto de 2015-2016 pegou todas essas mães de surpresa. Elas não ouviram que estava tudo bem depois da morfológica. 

Não estava. Ainda não está. Nem vai ficar.

Se a vida da mãe de um recém-nascido para, o que acontece com a vida da mãe de um recém-nascido com má-formação?

Se a gente se torna invisível pros amigos, como se sente a mãe de um bebê com deficiência?

Se a gente reclama das noites em claro, do bebê com cólica e do bebê com a gengiva coçando, o que faz a mãe de um bebê que convulsiona e por isso precisa ser monitorado 24 horas por dia?

Quem abraça essas mães? Quem olha pra elas?

Largam o emprego - o bebê exige dedicação exclusiva. 
São largadas pelos companheiros - a maiora dos pais não segura a onda.
São abandonadas pela sociedade. Essa sociedade que "diz gostar de criança".


Não gosta. Acha fofo, mas não gosta 

Não se preocupa. Não se une pra proteger. Não inclui. Não cuida.

Tem muito discurso. Pura bravata.

Na prática, o que se vê são hotéis e restaurantes que impedem entrada de crianças, gente torcendo o nariz quando percebe que tem um bebê no voo, reclamando do barulho das crianças "gritando" na quadra de esporte do bairro, desviando quando vê uma mãe cheia de sacola, empurrando o carrinho com um braço e segurando o neném - que se recusa a ficar dentro dele - com o outro. 

Na prática, tem um quilo de mãe se desculpando por aí quando o neném chora. 

A sociedade finge que se preocupa com a criança. Na prática, "é responsabilidade dos pais". Pontofinal.

Corrigindo: "É responsabilidade da mãe". Pontofinal.

Isso quando são crianças saudáveis. No caso das crianças com deficiência a sociedade simplesmente ignora. Finge que não existe.

Não tem inclusão nas escolas. Não tem acessibilidade no transporte público, nas praças, nos parques... Não tem acolhimento pras mães.

Os bebês sofrem? Arrisco dizer que não. Eles não conheceram outra realidade. Não nessa encarnação (pra quem é de encarnação).  

Mas, e as mães?

Essas mulheres que sairam um dia pra fazer um exame de rotina do pré-natal e nunca mais foram as mesmas?

Essas mães que serão mães de eternos bebês? Que choram a perda prematura dos filhos?

E a saúde mental dessas mães?

Percebem como a gente vive numa bolha?


Até eu descobrir uma forma de fazer mais, fica aqui meu abraço de amor a todas as mães. 

TODAS.













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