O auto-controle às vezes é dispensável.
Gertrudes é uma menina bastante controlada. Ela é sensata, engole as coisas que tem vontade de falar pensando na boa convivência, escuta calada críticas de pessoas mais velhas, por mais que tenha vontade de gritar um sonoro APA, e nunca chora na frente de ninguém. Deixa pra fazer isso sozinha, quando as lágrimas se confundem com a água que cai do chuveiro e ela finge pra si mesma que não está chorando. Não por “aquilo”.
Gertrudes é daquelas que tem medo de perder o controle. Mais que isso, ela tem medo de se mostrar fraca, de se perceber fraca. Porque Gertrudes sempre criticou os fracos. Porque Gertrudes sempre foi vista como forte.
Mas Gertrudes não era forte. A capa que ela sustenta sim, é uma fortaleza. Nunca se abala, passa por tudo como se nada a atingisse.
Caiu? Levanta!
Tropeçou? Finge que nada aconteceu e continua andando, por mais que a unha do dedão do pé esteja sangrando, dividida em duas!
E foi assim por longos anos. Sempre que a “Gertrudes Frágil” - aquela que tem vontade de chorar, de pedir colo, de pedir ajuda - ameaça aparecer e dominar a “Gertrudes Forte”, ela parava, respirava fundo... e a razão sempre trucidava a emoção, passando por cima com todos os tanques de guerra e obrigando os sentimentos a se refugiarem, a se asilarem num canto bem espremido do coração.
Mas, um dia a “Gertrudes Frágil” ficou de saco cheio de ser ignorada e decidiu ditar as regras do jogo pelo menos uma vez.
A Forte refletiu que já tinha bebido demais. Mais um copo e o controle, tão valorizado por ela, poderia escapar de seu domínio. Mas a Frágil queria mais um copo, a Frágil queria ser livre naquele dia. A Frágil estava cansada de servir como bom exemplo na família e se arrependia de não ter imposto sua vontade quando a Forte decidiu aceitar aquela rótulo de boa menina que ganhou logo cedo. Não que ela não fosse uma boa menina. Ela até era. Mas não sempre. Ela queria ter a liberdade de ser a menina má quando sentisse vontade.
E, bebeu mais copo.
E outro.
E mais um.
Quando se deu conta, estava no controle. A Forte nunca foi forte pra álcool. Uma dose a mais e ela apagava. A Frágil estava, pela primeira vez em muito tempo, dominando toda aquela máquina. Podia falar o que quisesse, chorar o quanto quisesse, gritar o mais alto que pudesse.
Ela falou muito. Gritou um pouco. Dançou, riu, apontou o dedo e, quando deu vontade de chorar, ela decidiu que estava na hora de ir embora. Porque chorar na frente do outros já é um pouco demais. “O que a Gertrudes Forte vai pensar de mim?”
A Forte era tão forte que mesmo alcoolizada dominava a Frágil sem ela nem perceber.
Cuidado, Getrudes! Todo mundo que se controla demais, mais cedo ou mais tarde vai acabar tendo um surto psicótico como o Charlie em “Me, Myself & Irene”. Um dia, o Hank reprimido fica cansado de apanhar e decide bater um pouco. Porque revidar pode não resolver, mas ajuda a libertar.
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