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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Acaso, passe no RH!

Chega um momento da vida que, se não está dando certo, é melhor mudar de estratégia.
Foi essa a conclusão de Gertrudes depois de avaliar alguns aspectos da própria vida. Fez um retrospecto e percebeu que algumas coisas eram sempre iguais. Como um filme que ela já sabia o final e que repete todo mês na sessão da tarde: só mudam alguns personagens e o cenário. O enredo, no geral, é o mesmo.
O que revoltava Gertrudes era o fato de que apesar de se tratar da própria vida, ela não era a diretora desse filme. As cenas nunca saiam como ela imaginava. E pior: ela não tinha o poder de voltar quando alguma coisa dava errado. Quando as falas eram duras demais ou quando ela esquecia o texto e não sabia o que dizer, por exemplo. E por mais que ela quisesse voltar a fita 5 segundos e pisar um pouco mais no freio, não tinha como gritar “corta!” e começar tudo de novo. Uma vez feito, ficava gravado pra sempre no HD de Gertrudes.
Algumas cenas, muito corriqueiras e insignificantes, ela deletava. Simplesmente apagava do arquivo. Mas outras, por mais que ele quisesse esquecer, era impossível apagar. Estavam protegidas com a senha da culpa, do remorso ou do arrependimento.
Até então, Gertrudes, apesar de inconformada, aceitava que o Acaso dirigisse o filme dela. Ela foi convencida de que seria mais fácil deixá-lo sentar na cadeira de diretor. Assim, ela sempre teria quem culpar caso o resultado fosse ruim. Se uma cena ficasse feia ou se algum ator não aparecesse, a culpa era sempre do Acaso.
O Acaso é sempre muito recomendado para dirigir filmes cuja protagonista é fraca. Gertrudes, em tese, não era fraca. Mas ela tinha medo de arriscar. O Acaso também adorava trabalhar com as medrosas. Então, por um longo tempo, a parceria deu certo. Nas cenas cotidianas, de esforço individual, de ação e até de comédia, o Acaso dava toda liberdade para Gertrudes. Ela agia como queria e sempre alcançava o objetivo.
Já nas cenas de drama, de terror e, principalmente, de romance, Gertrudes deixava tudo nas mãos do Acaso. Era sempre ele quem decidia quando, onde e como. Ela não tinha, nunca, nenhuma iniciativa, era totalmente dirigida pelo Acaso.
Mas Gertrudes sempre achou o Acaso meio incompetente nesse sentido. Achava as decisões muito equivocadas e sempre esperava cenas mais emocionantes onde a vontade dela fosse levada em consideração. Nunca estava satisfeita com o desfecho que o Acaso escolhia.
Depois de muito reclamar, Gertrudes decidiu demitir o Acaso. Cansou de ficar submetida às vontades daquele diretor meio louco e assumir a direção do próprio filme. Demorou a tomar a decisão porque, medrosa que é, teria que assumir as conseqüências das escolhas. Não teria mais ninguém pra culpar pelas cenas ruins. Mas, também receberia os louros dos Oscars que viesse a ganhar.
Foi assim que Gertrudes se tornou diretora do própria vida. Vez ou outra ainda pensa em desistir e ligar para o Acaso, perguntando se ele ainda quer o emprego de volta. Afinal, tantos anos dependente... é difícil seguir sozinha. Mas, até o momento, Gertrudes está firme. E aceita dicas de diretores independentes mais experientes e bem sucedidos.

A depender de Gertrudes também, Zeca Baleiro.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O mundo não é feito só de Jaquelines

Na semana em que a Câmara dos Deputados decidiu absolver Jaqueline Roriz eu perdi totalmente a esperança em tudo.  Fui tomada pela sensação de que o crime compensa e que ser honesto nesse país não vale de nada. A gente é do bem, paga os impostos e respeita a Constituição por princípios morais e valores que papai e mamãe nos ensinaram. Mas a única vantagem disso é um sono tranqüilo. Ou nem isso, porque eu duvido que essa galera tenha um minuto insone com peso na consciência.
Numa realidade mais próxima,  sem precisar chegar às grandes cifras (que nenhum de nós, mortais, terá acesso um dia) de políticos corruptos, a gente também tem exemplos dessa postura individualista que parece ser a nova doutrina do mundo. O importante é tirar vantagem. Seja no Congresso ou na vaga do estacionamento. Seja puxando o tapete do coleguinha no trabalho ou aceitando uma propina para macular uma licitação.
Até nos comportamentos mais ingênuos, quando a gente quer sempre ser acompanhado e nunca acompanhar. Quando prioridade são os seus anseios e por isso você ignora totalmente o que seu pai, namorado ou amigo quer fazer. The Age of Selfishness.
Então, tá! É cada um por si agora!
Não. Não é não. Não dá pra conviver só com o próprio umbigo.
Cada ato nosso reflete na vida de alguém. Meio efeito borboleta mesmo. E, se eu estivesse certa e o mundo fosse feito só de pessoas egoístas, seria insuportável.  Tá bom que tem aquele energúmeno que estaciona em fila dupla e te deixa presa no estacionamento 40 minutos porque, afinal, acha que é o dono da rua. Mas, tem aquela pessoa que se compadece de você e, mesmo sem te conhecer, fica lá debaixo do sol tentando pensar em alguma alternativa pra te ajudar.
Tem quem se aproxime de você por interesse ou conveniência. Mas tem o tio do churros que te dá colheradas generosas de doce de leite só pra matar sua vontade, sem pedir nada em troca.
Tem a sua operadora de telefone que sempre inventa taxas e nunca resolve o seu problema - pelo contrário, sempre te cria problemas. Mas tem aquele garçom que sempre te dá dicas dos melhores partos, te atendente prontamente, sempre sorrindo e faz valer os 10%.
E quando você se arrebenta num acidente de carro e estranhos param te oferecer ajuda, para te levar pro hospital ou para ficar com você sentada na sombra até sua mão parar de tremer... é aí que você se dá conta de que o mundo não é feito só de Jaquelines.
Os bombeiros, os PMs, os estranhos que trocaram a corrida no parque pra ajudar uma estranha, a minha querida redação... todos me mostraram que a humanidade ainda é humana. E, no final das contas, acho que aquela pancada toda foi era pra isto: uma tapa na cara, [ou, pra ser mais literal, um ricochete nas costas] pra mostrar que sim, toda regra tem exceção. E a regra é ser bom!  As Jaquelines – e aqueles que a absolveram – são as exceções.
São essas pequenas grandes coisas que fazem a diferença. Então, se dá para ser gentil, se dá para ajudar, se dá para ser justo, se dá para oferecer a mão... façamos. 
Lembrando que, oferecer a mão não é passar a mão, queridos parlamentares. Assumir as conseqüências dos atos faz parte do viver em sociedade, já que o pato sempre sobra para alguém. Portanto, assuma o seu.
E, se não tiver dormido pelo menos cinco horas de sono, não dirija.