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segunda-feira, 18 de maio de 2015

Episódio 3: Sobre toalhas, pedestres e bebidas

Foram quatro dias e quatro noites pensando no que eu teria que fazer caso minhas malas tivessem caído no limbo dos aeroportos e nunca mais aparecessem. E uns 30 minutos de ligações para a cia aérea, recheadas de "sorry?", "can you repeat, please?" e "I don't understand" até que...

Localizaram a bagagem! 

Onde?

No Brasil! Eu vim, elas ficaram.

Numa quarta-feira cheia de cólica, recebi uma ligação antes das 8h perguntando se eu estaria no hostel na hora do almoço. 

Não estaria, mas eis um bom motivo pra matar aula.

Desliguei o telefone e levei um tempo pra entender se era real ou sobrenatural, já que estava meio dopada de ácido menfenâmico*. 

Era real!



Elas chegaram! Valeu, anjo das malas!

Eram 12h23 de uma quarta-feira quando a gente se reencontrou!

Sujas? Sim. 

Meio rasgadas? Também.

Mas, quem liga? Minhas calcinhas e minha toalha estavam lindas e cheirosas esperando por mim - tanto quanto eu por elas!

O cheirinho da minha casa - que deve ser do amaciante, mas me conectou diretamente à minha casa - impregnado na toalha nunca mais será esquecido! Foi tipo meu anjo me abraçando, com cheirinho da minha mãe, dizendo que iria dar tudo certo!

Foi confortador, para essa primeira semana longe de tudo.

...

Superado o problema da falta de roupas, é chegada a hora de começar a se encaixar na cidade e fazer com que ela comece a aceitar você. 

Como todo início de relacionamento, a gente vai se conhecendo devagar, aos poucos entendendo o que pode ou não fazer, o que é bom, o que é ruim, o que ofende, o que gera multa...

Atravessar a rua fora da faixa ou com o sinal vermelho para pedestres, por exemplo, gera multa. 

Sabe aquele momento em que você olha para um lado, olha para o outro e calcula que a distância do próximo carro é suficiente, se você der uma corridinha para chegar do outro lado da calçada?  Então, Sydney não curte isso.


Policiais disfarçados ficam de olho nos apressadinhos. Ouvi histórias de gente que foi multada em até $200; gente que teve que abrir o Facebook no celular porque alegou estar sem documentos na hora...

True or false?

.
.
.

Dizem que é verdade.

E as pessoas respeitam?

Talvez estrangeiros sem dinheiro com medo de serem multados - tipo eu, que fico sozinha na calçada, esperando o sinal de pedestres abrir, enquanto todo mundo dá a famosa corridinha para passar enquanto não vem carro nenhum.

Então, a história das multas é lenda urbana?

Pode ser! Mas, considerando que aqui a mão é invertida e eu ainda não entendo os cruzamentos dessa cidade, acho mais seguro e econômico esperar o sinal abrir.

Considerando que vivi em Brasília 25 anos e ainda não sei fazer as tesourinhas, é provável que eu espere pra sempre o sinal abrir

Agora, a faixa de pedestre todo mundo respeita! Candangos estão em casa!




Acho uma graça a plaquinha que sinaliza a passagem de pedestre...

Essa é de arco-íris porque fica na rua gay de Sydney! :)

Não sei se é por isso, mas faz sentido, né?  Se não for, deveria ser! 

Pedestre aqui tem prioridade em qualquer circunstância. No supermercado, tinha uma moça com o carrinho de compras e eu, com a cestinha. 

Rolou aquele momento "vamos entrar no mesmo corredor ao mesmo tempo agora", sabe? Ela parou imediatamente pra eu passar. Quando vi, tinha uma faixa de pedestre pintada no chão!

Mentira! Tinha não, ela foi gentil mesmo.

Nem sei se todo mundo é assim, ou se dei sorte de cruzar com uma pessoa educada - prefiro acreditar nas duas possibilidades

Outra coisa que Sydney não gosta: gente bêbeda na rua. Aí, o pessoal quase não bebe.


É por isso que eles não têm Carnaval

True or false?




*Mãe, não estou usando drogas, isso é remédio pra cólica





sexta-feira, 15 de maio de 2015

Episódio 2: Com a roupa do embarque

Eu chego no hostel e tem um quarto lindo e cheiroso esperando por mim! Uma cama fofa e aconchegante, com um jogo de toalhas limpinho em cima da cama. Além disso, tem um serviço de emergência para hóspedes que têm as malas extraviadas: eles oferecem roupa limpa para passar a noite e leite quente com chocolate para confortar o coração.

Quem me informa isso é um brasileiro, com sotaque pernambucano, que chegou uma semana antes de mim. Disposto a ajudar, ele me mostra a vizinhança e os lugares com comida boa e barata.

True or false?

Vou nem responder

...

Como tinha alguém no quarto seis - que sim, era individual - agradeci a Deus por já ter um chip de celular e liguei para o número de emergência do hostel, já que não vi nenhum ser humano pelas redondezas.

Procuro loucamente alguma ajuda na estante de "vocabulário de inglês para reclamações", mas não tem quase nada. Só acho "shit".


Nunca, nas 238 mil horas-aula de inglês que eu fiz (somando Ensino Médio, cursinho, espisódios de Friends sem legenda e letras dos Beatles no Vagalume) eu tive lições sobre "como reivindicar um quarto quente e um pernambucano simpático em caso de desespero". Fica a dica para os professores de inglês.

Felizmente, quem atendeu a minha ligação percebeu o meu tom de "eu não sei mais o que fazer" e... falava português! Pronto, reclamar em português eu sei! Aliás, é uma das minhas especialidades.

Mas, nem foi preciso. Super atenciosa, a moça estranhou o problema, pediu cinco minutos e retornou a ligação com a solução.

- Você está no quarto 13!

Azar ou sorte?

Não tinha toalha limpa, nem chocolate quente - muito menos pernambucano. Mas, tinha cama fofa e manager do hostel para me levar ao supermercado. 

Compra toalha, compra calcinha, compra sabonete e, se vira como pode.

Depois de um sábado bem agitado, vesti meu pijama da Qantas e agradeci por, depois de duas noites dormindo sentada, poder esticar a coluna. Não sem antes bater um longo papo com o anjo das malas.

...

No domingo, primeira manhã em Sydney, o anjo da mala não mandou nenhuma novidade sobre o paradeiro das bagagens. Mas, mandou uma ajuda gigantesca em forma de amiga!

Engana-se quem acha que fazer estágio durante a faculdade serve apenas para ter experiência no curriculum e conseguir grana para ir aos churrascos universitários. Nos estágios você também pode conhecer pessoas que vão te salvar se você estiver sem roupa em Sydney!

Ela me ensinou a pegar o trem, me levou para comprar roupa barata, para fazer o "bilhete unico do metrô", para almoçar, para ver o Pacífico, para comprar comida no supermercado barato, para comprar shampoo na farmácia, para ganhar yogurt e Red Bull de graça no meio da rua... praticamente uma aula de "como sobreviver em Sydney"!

E vocês aí, duvidando dos anjos!



Turistando com a roupa do embarque


E o melhor de tudo foi esquecer por todas aquelas horas o meu singelo problema da falta de malas.

O fato é que eu decidi fazer essa viagem para dar um tempo de tudo e analisar se estava direcionando a vida por caminhos que realmente me interessavam - ou se estava simplesmente sendo levada pela inércia.

Deixei meu emprego, deixei meus pais, minhas cachorras, meus amigos, minha cama quente e minhas roupas limpas para ver como eu me sairia em outras circunstâncias, em outro ambiente, em outro fuso.

Quer ver como se sai? Então, se vira! E só com a roupa do corpo!

E desapega!

Não é suave sair da inércia - eu lembro de algumas coisas da aula de Física. É confortável andar por ruas conhecidas, vestir o jeans que já tem a forma do seu corpo, falar e ser compreendida, ouvir e compreender.

Mas, depender do GoogleMaps, usar uma calça meio curta, comprada com o cartão de emergência da cia aérea, pensar 15 vezes antes de formular uma frase simples e se esforçar para não perder nenhuma palavra do que o caixa do banco está falando, mantém a gente alerta. Desperta. Liberta.


E, como diria Lenine, isso é só o começo!

(Quem não conhece, procura essa música. É muito boa.)

Preciso mandar um beijo para Mônica Plaza, que está me ajudando em tantas coisas, mesmo antes de eu sair do Brasil. Esse tal de jornalismo dá uns frutos muito bons! 

Um salve para os estágios universitários! E para o Uptoyou, fruto do jornalismo da Mônica, que dá dicas e tem histórias excelentes!





quinta-feira, 14 de maio de 2015

Episódio 1: Sem lenço, porém com documento - Parte II


Eram 36 quilos de roupas, sapatos, cremes, maquiagem (maquigem!!!!!), perfume, remédios, relógios - enfim, a vida - perdidos em algum dos três aeroportos pelos os quais eu passei antes de chegar em Sydney.

Duas malas. Uma eu nem paguei ainda.

Na primeira viagem que eu fiz para fora do Brasil, ficar sem mala era a minha maior preocupação. E a minha mochila foi a primeira a aparecer na esteira. Desde então, na minha lista de "coisas que podem dar errado", o último item era "ficar sem bagagem".

"Elas sempre chegam"

Ouvia histórias de amigos que tiveram as malas extraviadas, de gente que perdeu compras inteiras feitas em Miami, de mala que chegava violada. Lia notinha no site do TJDF (isso é plantão de fim de semana na redação, meus amigos) de passageiros que ganhavam indenização por danos morais das companhias aéreas... Eu sabia que era uma realidade.
Mas, confiava no anjo das malas.

...

Na fila de reclamações de bagagens perdidas, eu e outro brasileiro. O rapaz estava na minha frente. A atendete pegou os dados dele, digitou alguma coisa no computador e rapidamente informou que as malas estavam em Santiago (Chile) - nossa última escala - e chegariam no dia seguinte. Anotou o endereço dele, pediu desculpas, e afirmou que a mochila seria entregue onde ele estivesse.

Bom, dos males o menor. Amanhã tudo estará resolvido - pensou Carolina, tomada pelo torpor do jet lag.

Pronto. Minha vez. A atendente repete o procedimento. Pega meus dados, digita no computador, e eu já estava procurando meu novo endereço para preencher a ficha que ela iria me dar para entregar minhas malas no dia seguinte...

- Sua bagagem não foi localizada.

- Sorry, what?

- Não sabemos onde estão suas malas. Vamos te dar esse cartão para despesas emergenciais e esse kit com pijama e escova de dente para você passar a noite. Ligue neste número amanhã para atualizar as informações.

Olha, eu ainda não consigo fazer barraco em inglês. E nem tinha forças para isso depois de 32 horas de viagem, 22 delas voando. Talvez a atendente tenha percebido minha cara de "fodeu!", porque ela me deu um olhar piedoso junto com o cartão, dizendo que iria ficar tudo bem.

- We will find it!

Eu escolhi acreditar. E comecei a rezar também. E a avisar a todo mundo que também reza, porque eu precisava de ajuda divina.

Anjo das malas, cadê você?

...

O transfer que eu achei no Facebook não era sequestrador. Esperou eu acertar toda a burocracia das malas - o que atrasou em quase uma hora o combinado para o nosso encontro em frente ao Mc Donalds - me ajudou a comprar um chip pro celular e também segurou a minha mão quando a ficha começou a cair.

Eu não tenho uma calcinha! Eu não tenho nem toalha pra tomar banho! Meu Deus, eu vou ter que voltar pro Brasil amanhã!

Preciso fazer um aparte para mandar um beijo pra Tassiane e pro Welson, o casal transfer brasileiro que não me sequestrou e ainda me deu a maior força com pensamentos positivos, além de dicas e suporte emocional. Muito obrigada!


Elizabeth Bay Rd - a rua do hostel
Pronto. Cheguei na minha nova casa. Sem malas.

Semanas antes, o pessoal do hostel tinha enviado um email com todas as informações: chegue e entre; seu quarto - o número seis - vai estar destrancado e a chave em cima da cama; não precisa fazer check in; qualquer problema, ligue em um desses um milhão de números.

Cheguei. Entrei. Quarto seis. Porta destrancada. Luz apagada.

Uai, tem um par de botas ali no canto. Devo ter entrado no quarto errado.

Volta. Começa de novo.

Quarto seis.

Ok, é esse aqui mesmo. Vai ver alguém esqueceu as botas, sei lá. Vou entrar de novo e ascender a luz para checar se...

Mil roupas no chão, mala aberta, secador de cabelo em cima da cama. E o par de botas, ali no canto.

Fato: alguém, que chegou com malas, está hospedado no quarto seis.

Será que tem outro quarto seis? Será que na Austrália seis não é seis? Será que além de sem malas eu também sou sem teto em Sydney?




quarta-feira, 13 de maio de 2015

Episódio 1: Sem lenço, porém com documento

Eu tinha muitas preocupações com a minha chegada em Sydney.

Será que eu vou entender o que o moço da imigração vai perguntar?

Será que todos os documentos pra entrar no país estão aqui?

Será que eu vou achar o endereço da minha nova casa?

Tudo passou pela minha cabeça - e olha que eu sou meio apocalíptica - mas, o "será que eu vou ter o que vestir no dia seguinte?" eu não cogitei.

Cheguei. 

A luz de por do sol refletindo no vidro da janela do desembarque. 

Vou tirar uma foto! 

Não, calma! Não pode usar celular aqui, não quero ser extraditada antes de sair do aeroporto.

Uma paradinha rápida pro xixi e vamos logo enfrentar a imigração.

Um "hello", um sorriso, uma scaneada no passaporte. Fim.

Welcome to Sydney!

Pronto? 

Não quer ver meu visto? Meu comprovante internacional de vacina contra a febre amarela que deu um trabalhão pra conseguir? Nada?

Que lindo!

Agora é só pegar a mala, torcer pra não ser sequestrada pelo transfer que eu achei no Facebook e que comece a brincadeira!

Tá! É só esperar a mala.

...

Deve estar vindo já.

...

Claro que vem.

...

Opa! A vermelha chegou!

Ops! Não é essa não. A minha não tem esse laço.

Mas, relaxa. Daqui a pouco aparece.

...

Se bem que, fiquei um tempinho na fila da imigração, já deu tempo de descer tudo.

E essa mala azul já passou aqui umas cinco vezes...

Mas, as minhas devem ser as próximas. Não pira!

...

Uai, gente! Já foi quase todo mundo embora...

Excuse me, todas as malas desse voo estão aqui?

Yes.

...
...
...

Todas, menos as minhas!


To be continued...

domingo, 10 de maio de 2015

Fuso alterado



Daí que aquele antigo projeto de passar um tempo fora do País finalmente se concretizou. A pessoa sai de casa pra morar sozinha pela primeira vez na vida e decide ir logo para um fuso de 13 horas na frente, que é pro jet lag ser bem gostoso.

Pois então, Sydney será meu novo lar pelos próximos cinco meses. Não é nada, e é tempo pra caramba.

Mas, outro dia eu falo do "tempo", que é um dos meus assuntos preferidos e pode render muita divagação. O objetivo deste post é tentar não dormir antes das 20h e obrigar meu organismo a se acostumar com a nova brincadeira. Além de lançar o desafio "true or false".

O bom e velho "V ou F". Aquelas questões que a gente adora se a prova é de História, porque isso significa uma resposta  discursiva a menos, e odeia se a prova é de Físca, porque, geralmente, para julgar, tem que fazer conta do mesmo jeito.

Por " a gente" entenda-se pessoas comuns, com QI padrão que acham insano fazer três páginas de cálculos pra responder uma ÚNICA questão

Nas provas de Inglês o " true or false" pode ser bom ou ruim: bom se a questão é interpretativa e ruim se é de "listening" - sempre fui péssima no "listening" e chutava tudo.

Continuo chutando. Hoje na estação de trem o moço que estava recolhendo o lixo falou alguma coisa comigo. Não entendi nada. Como ele estava sorrindo, acho que disse algo simpático. Perguntou se eu precisava de ajuda ou algo assim - eu acho.

Sorri de volta.

No, thanks! I'm just waiting for a friend

Chutei.

Na vida a gente vive chutando quando a questão é de "verdadeiro ou falso". Não dá pra ter muita certeza. Ou chuta, ou deixa em branco.

Ultimamente, prefiro chutar

E, como foi criada muita expectativa com esse meu "chute" para a Austrália, resolvi atendê-las, ainda que, as vezes, de mentirinha.

Eu conto a história. Se é "true or false", vocês decidem. E chutam. Ou deixam em branco. Depois sai o gabarito oficial.

Ou não