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sábado, 17 de dezembro de 2016

Fora da casinha (tirando da tomada)

Deixa mesmo de ser importante
Quando se torna mágoa, avesso de um sentimento
Oceano sem água

Mágoa?

Talvez.

Marília e Caetano cantam a mesma coisa, com poesias diferentes. Eu reproduzo porque não estou pra poesia.

Há dificuldade em lidar com a realidade.
A gente cria uma atmosfera onírica para se proteger. 

Inventa que “as coisas não são bem assim”. Que “é preciso ter paciência” e “fazer a nossa parte”.

“We need to make an effort”

Esse era o conselho preferido da Penelope. Equatoriana, criada na Itália, vivendo em Sydney. Uns 13 anos mais velha que eu. Pensei que, de repente, seria prudente pelo menos pensar sobre isso.

Quanto de esforço eu tenho feito?

Eu não desisto fácil. Ou não costumava desistir. Não das coisas que eu realmente queria.

E eu quis.

Ainda quero?

Gertrudes e Cassandra divergem nesse aspecto. Na verdade, divergem sobre como lidar com a resposta.

Gertrudes acredita em milagres. Cassandra sabe que o mundo é mau – e a gente morre no final.

Esse também é um conselho que sempre reverbera. Não é da Penelope, é mais antigo. Tempos universitários

Gertrudes quer insistir na tese dos bons sentimentos, bons samaritanos, boas intenções.
Cassandra sabe que pau é pau, pedra é pedra. E que o tal do esforço, se tem que fazer demais, tem alguma coisa errada.

-- Você também não é perfeita, Cassandra. A gente sempre tem que fazer concessões.
-- Dos dois lados, Gertrudes. Quando é de um lado só tem outro nome: ser trouxa.

As duas nunca se entendem.

-- Não dá pra desacreditar de tudo, Cassandra. As coisas vão melhorar.
-- Tá tudo errado, Gertrudes! Eles continuam lá. Denunciados, de terno, aprovando leis, pensando numa forma de não perder poder, salário, foro...
-- Alguns em Curitiba...
-- É. E outros no Planalto.

Uma discussão que não tem fim.

-- Vamos embora, Gertrudes! Sair daqui! Sinto falta da Darling Harbour, do por do sol em Pyrmont, do café do Union, de não saber de nada...
-- Não se ilude, Cassandra! Não faz a Gertrudes. Nada será do jeito que foi. A gente precisa é meditar! Antes que a gente enlouqueça, vamos cuidar da mente.
-- Você? Sensata? Deu bug mesmo! Mas, tá certa! Vamos parar, dar um tempo disso tudo, desconectar um pouco. Esse ano foi foda...
-- Isso, um detox. Detox da alma!

As duas entraram num acordo. 
Não sou eu quem vai discordar.


Unplugged  


segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Perdida nos anéis de Saturno

Gertrudes mudou bastante nesses últimos tempos. Mais precisamente nos últimos dois anos.
Ela descobriu que tem mais coragem do que imaginava, que o mundo não é apenas uma bolha recheada de pautas, que o horizonte não tem fim e que as coisas têm as cores e o peso que você dá.

Gertrudes sabe de tudo isso. Mas, as vezes esquece. É que o mundo é bem louco, gira rápido e te consome se você deixar. De repente, as costas doem, a gastrite grita e você entra na bolha de novo – onde existem apenas pautas e putos.

Nessa bolha também tem cappuccino, e Gertrudes cai na armadilha de achar que essa é compensação da vida. Mas, a xícara sempre acaba, Gertrudes.

Enquanto a compensação estiver do lado de fora, não vai compensar.

O café acaba.

O vinho dá dor de estômago – e é caro.

Os amigos casam. Mudam-se. Mudam.

Os namorados também buscam as próprias compensações.

O esquema, Gertrudes, é achar essa libertação do lado de dentro.

Tirar o peso. Colorir.

Por mais estranho que sejam os tempos que vivemos. Por mais escroto que tenha sido este ano. Por mais que as perdas tenham deixado arranhões. Por mais que a realidade faça questão de jogar Merthiolate (aquele de 1990, que arde!) nesses arranhões. Por mais que seja grande a vontade de desistir.

Como desiste?

Não desiste, Gertrudes! Você pode parar, dar um tempo, se esconder numa marquise enquanto a chuva passa. Aproveitar um fim de semana – aqueles raros que você tem folga – e fazer um casulo de edredom. Isso pode.

Mas, a segunda-feira sempre chega.

Chegou já.

Tem que levantar. E pode tomar um café. Bem forte. E escrever também, se ajudar.

A chuva não parou. Ainda está chuviscando. Você vai se molhar um pouco. Os arranhões também vão arder, para te lembrar que estão ali. Mas, daqui a pouco cria a casquinha e você pode cair de novo. Machucar outros lugares. Ou, os mesmos. Acontece também.

Fura a bolha, Gertrudes! O horizonte não acaba, lembra? Você já passou por essa lição, não repete de ano não. Segue em frente, tem outros desafios para superar.

Pega todas as cartilhas antigas e joga fora, você vai precisar de espaço para as novas.


Deixa Saturno girar.


quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O planeta está cheio de escrotos

O trânsito está aí pra provar isso.

Hoje de manhã, em um trajeto curto, cruzei com dois motoristas escrotos. Daqueles que jogam o carro em cima de você porque têm certeza que são seres superiores e o mundo precisa parar para eles passarem.

Escrotos estão sempre com pressa

Tem gente escrota votando.

Tem gente escrota sendo eleita. 

Tem gente escrota chocada com a eleição de gente escrota.

Escrotos costumam ser incoerentes

Não, não acho que o mundo vai acabar. Não sou adepta de discursos apocalípticos.

Ao contrário. 

Acho que o primeiro passo para começar um trabalho de progresso é se conscientizar da fossa na qual se está inserido.

E, amigos, a fossa é bem funda.

...

O racismo nunca acabou. Quem é preto sabe. 

Se você não é, talvez não saiba. Então, não seja escroto e não fale sobre o que você não vive.

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A homofobia está aí na nossa porta, matando gays e travestis todo dia. 

Você ignora, mas vai pensar nisso quando alguém bem próximo conseguir vencer a escrotidão da sociedade e se sentir livre para viver do jeito que é.

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O machismo é a lógica que rege a sociedade desde sempre. A discussão escrota que eclode toda vez que se discute estupro é prova disso. 

Um parlamentar fazer apologia a esse crime em um espaço legislativo e ficar por isso mesmo, é prova disso.

Você achar que se trata de liberdade de expressão, é prova disso.

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A escrotidão está por toda parte. Ela era subjetiva, intangível, conceitual. Agora, tem nome e sobrenome. Rosto. Foto no Facebook. Canal no Youtube. Seguidores no Insta. Mandato político. 

A Terra não é um parque de diversões mesmo. É uma luta diária pela sobrevivência. Ninguém está aqui para brincar.Tem que se espremer em ônibus, lutar no trânsito, enfrentar engarrafamento ((sem ser escroto)), tudo para bater o ponto e retroalimentar um sistema que explora e suga. 

A escrotidão é tanta que a gente nem se dá conta, acha que está sendo pago pra isso.

Aí, quando todo essa escrotidão vence todo mundo fica meio chocado. 

Mas, deixa eu te falar - ela nunca perdeu. Sempre esteve aí, vencendo e oprimindo. 

A diferença é que agora ela está personalizada. 

E pro mundo todo ver.

E encorajando escrotinhos cotidianos a saírem do casulo. Acho ótimo. Quero ver a cara de todos eles.

Conclusão: há males que vem para o bem.

A primeira sensação é de descrença e desespero. Mas, nada está perdido. O processo é de iluminação. Todo mundo enxerga tudo agora.

E cada um que aguente as consequências das escolhas que faz.














quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Poesia de quinta

O tempo passa
Até perder as contas
Passa e faz parecer
Que só teve coisa boa

Parecer de gente míope
De longe, o mundo é belo
Mas, Polianas não sobrevivem
A vida é sempre de perto

Perdi os tempos
Parei de contar
E nem tem SAC para lamentações
Aceita. E deixa passar

Umdiapassa

Ainda mais rápido no verão
Não que já seja dezembro
Mas, já roubaram uma hora

Vão devolver
Tudo que vai, volta
Sigo esperando
A hora
A hora
A hora

Umdiapassa

C.Cruz

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Poesia de quinta

Desenrola, desfaz, desvai
Volta
Desdiz, deschora, desmente
Valida
Desfode, desmorre, despe
Viva
Despede, desenvolve, desentope
Desencana
E vai

Sem se preocupar com a forma
Sem se preocupar com a rima

C.Cruz

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Poesia de quinta

Pior que querer e não ter
É não saber se quer
Mesmo tendo

A sociedade ainda não sabe lidar
Com esses espaços cheios de nada
E nem com roupa amassada

C.Cruz

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Situações de risco

Situação I

Jejum de 12 horas. Laboratório de exame de sangue. Início da manhã.

Fome

Sala de espera cheia. Senha 91. No telão: 71.

Fome

40 minutos arrastados. Cheiro de café. Agulha na sala ao lado.

Fome

Quem me conhece sabe que <<fome>> coloca qualquer situação em risco



***


Situação II

Um homem. Uma mulher. Sinergia.

Envolvimento

Tempo juntos. Lado esquerdo. Sinceridade.

Encantamento

(risco)

Abraça. Beija. Apega.

(Risco)

Necessidade de aprovação. Muita opção. Falta de atenção.

(RISCO)

Quem já se apaixonou sabe o risco de uma mistura de carência com falta de paciência



***


Situação III

Eleição. Decepção. Inconformação.

Ameaça

Perdeu base. Perdeu valor da moeda. Perdeu poder de compra.

Panelas

Petrobras. Lava. Jato.

Protestos

Coxinha. Mortadela. Rinha virtual.

Derruba a amizade

Apartamento. Sítio. Moro.

Foro

Grampo. Ministro. Posse.

Bessias

Constituição? Investigação? Conspiração.

Derruba a querida

Corrupção? Cassação?  Manipulação.

Contas na Suíça

Há rito. Há processo. Há votos.

Crime?

Toda nação que já passou por rupturas na democracia sabe o risco que isso significa

Sabe?



***


10 de novembro de 1937.

31 de março de 1964.

31 de agosto de 2016.