Páginas

sábado, 3 de dezembro de 2011

Vó, eles que não mexem comigo!

Gertrudes não é diferente de ninguém. Quer dizer, é um pouco, mas em alguns aspectos a vida dela é bem comum. Por exemplo, a família cobra dela o que toda família cobra de uma menina jovem: um namorado.
Antes as tias, primas mais velhas e a avó ficavam em polvorosa pra saber sobre a menstruação. “E aí, ela já ficou mocinha?” A pergunta era pra mãe e em tom de cochicho, mas Gertrudes sempre ouvia e queria se enterrar no chão de tanta vergonha.
Quando finalmente Gertrudes conheceu os “prazeres” da TPM, a família estava ansiosa pelo primeiro beijo. “Você ainda é BV né, minha filha?” – porque sempre tem uma tia descolada que acha que falar no mesmo linguajar que os pré-adolescentes aproxima e facilita a comunicação.

Não. Não facilita.
Mas, sim! Gertrudes era BV. No entanto, nunca admitia. Nem negava. Deixava no ar. O que era o mesmo que dizer:  “Eu nunca beijei, mas tô louca de vontade e morro de medo de alguém descobrir isso!”

Só que, na época, Gertrudes achava que era a melhor opção. E achava que estava conseguindo disfarçar.
É porque Gertrudes foi a última da galera a beijar. Demorou! E quando finalmente aconteceu, ela sentiu como se tivesse se livrado de um peso.  “Agora eu posso responder a pergunta -  Claro que não sou BV, eu tenho 16 anos, já beijei muito!”
Mal sabia ela que as cobranças nem tinham começado.
Ainda tinha o vestibular, a carteira de motorista e, a perseguição que continua: o namorado.
“Mas e os namorados?”
NamoradoS! No plural!
Não gente, não tá fácil pra ninguém!  Gertrudes está se esforçando pra conseguir UM. E já tá mais que suficiente!
Gertrudes: Então vô... eu não tenho namorado.
Avô de Gertrudes: Mas nenhum?
Gertrudes: Não, vô! Nenhum!
Avô de Gertrudes: Mas nem na faculdade?
Em outras palavras e de maneira sutil, o avô de Gertrudes quer dizer que é um absurdo a pessoa ser jovem, se relacionar com várias pessoas na faculdade e não ter um namorado.
Gertrudes concorda! Mas, vai fazer o quê? Ela também não tem explicação.
Gertrudes: Não, vô! Nem na faculdade!
Avó de Gertrudes: Tá certa, minha filha! Tem que estudar primeiro. Moça só pode casar depois de formar!
Porque a avó de Gertrudes sentiu o drama e tentou dar uma força. O problema é que ela só adiou a cobrança. Porque agora Gertrudes se formou e, segundo as convenções sociais, já pode se casar.
“E os namorados, Gertrudes?”
Continua no plural!
Mas, Gertrudes entende a preocupação da família. Porque ela também está começando a ficar preocupada. Ela começa a se perguntar, “cadê os namorados, Gertrudes? Por onde eles andam?”
E quando se tem primas e irmãs mais ou menos da mesma idade, a cobrança vem de forma comparativa. Porque, só falta você!
E aí que a família de Gertrudes resolveu desencanar! Uma parte acredita que é por opção, outra deve achar que ela tem mesmo algum problema e não vai namorar nunca.
Até eu acho que Gertrudes tem algum problema e não vai namorar nunca. Mas, não precisa dizer isso na cara dela!
Porque enquanto a avó se orgulha de contar como a irmã de Gertrudes é sagaz e disputada pelos menininhos da cidade, tenta consolar Gertrudes:
Avó de Gertrudes: Você não, né minha filha? Você não mexe com isso!
“Olha vó, eu juro que eu tento mexer com isso! Mas eles é que não querem mexer comigo” – pensou Gertrudes ao sorrir carinhosamente e concluir que mais que uma necessidade afetiva, o namorado é quase um atestado social. Ela só sabe não ainda o que quer atestar.

Ainda bem que minha avó não é assim!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

"O que existe é o Sol, o resto é invenção"

Não que eu acredite em espíritos, mas que eles existem, existem!
Tem um que sempre incorpora em mim quando eu estou dirigindo ou assistindo futebol. É a entidade mais desbocada e impaciente que eu conheço. E ela é forte! Forte e inconseqüente – duas características que juntas são um desastre iminente.
O fato é que, dirigindo ou vendo futebol, eu solto palavrões que eu nem conheço e desafio a medicina me mantendo viva mesmo com os batimentos acelerados e a pressão baixa.
Não sou eu. É a entidade que me domina. De um jeito meio torto ela me ajuda a controlar o nível de cortisol. Mas tem situações que nem ela dá conta.
Pode xingar, chorar, gritar... só o vômito de palavras dá jeito. Isso quando elas saem. Às vezes ficam presas de uma maneira que não há dedo na garganta que resolva. Elas entalam e ficam te sufocando por vários dias... até que de repente vem aquele jato misturado com suco gástrico e bile! Alivia quem vomita, enoja quem vê. Nesse caso, lê.
Mas, este vômito aqui não é sobre vômito não.
É sobre a incapacidade humana de viver um dia de cada vez. Porque tudo que você faz agora é pensando em alguma coisa de amanhã. Ou de depois de amanhã. Ou do Natal. Mas nunca é do hoje.
E a única certeza que a gente tem na vida é que amanhã o Sol vai nascer. Mesmo que você não veja, mesmo que você nem esteja mais nesse mundo. O Sol vai continuar nascendo dia após dia – pelo menos até 2012, segundo o calendário Maia.
Porque o Sol existe! O resto é você que inventa! As necessidades, os problemas, os palavrões, tudo invenção da sua cabeça (?).
O Sol existe. O que você faz no espaço de tempo que ele leva para morrer e nascer de novo, é uma escolha sua.
Porque o Sol pode fazer merda. Pode acordar puto e resolver se esconder entre as nuvens. Pode ceder o lugar pra chuva, quando não está a fim de trabalhar. Ou pode até queimar a gente com tanta felicidade. Ele pode tudo. No dia seguinte é um novo dia e ele pode começar tudo de novo, ou tentar mudar. Há sempre uma segunda chance. Todo dia é uma segunda chance.
Já você...
Quantas chances a gente tem? Por que a gente age como se sempre fosse dar tempo de fazer tudo? E se não der? Por que planejar em longo prazo? Por que não agora, enquanto dá pra ver o Sol nascer?
Você trabalha hoje pra receber no fim do mês. Você estuda hoje par se formar daqui a quatro anos. Você não come uma pizza hoje para estar magra no verão. E pra hoje? O que tem pra hoje?
O que tem pra agora?
Ou você jura que vai comer menos, correr mais, trabalhar menos, viajar mais, brigar menos, beijar mais em 2012?
Eu juro que no final de 2012 – se os Maias estiverem enganados e o mundo não acabar – estaremos todos fazendo as mesmas promessas para 2013.
Até chegar 2077 e você escrever no epitáfio – “Não tem amanhã pra mim hoje”. Isso sendo bem otimista. Porque a expectativa de vida de quem nasceu no ano passado é de 73 anos. Chegar aos 90 é muito lucro pra quem estreou em 1987.
Sem falar que há intempéries da vida que podem te levar antes. Vai que você decide dar a volta ao mundo amarrado a balões de gás hélio e eles estouram? Vai que você se engasga com uma espinha de peixe? (eu tenho pavor de morrer engasgada!) Vai que um bêbado com a entidade desbocada te atropela na faixa de pedestre? Tudo pode acontecer.
Ou não.
Porque, o que existe é o Sol. O resto é invenção.
E Morpheus, hoje eu quero a pílula vermelha!