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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Oscar 2023: "Elvis"

quarta-feira de cinzas e quem resetou a vida no carnaval vai ao poucos voltando à realidade.

por aqui vamos falar de "Elvis", uma cinebiografia envolvente e com uma trilha sonora que vale favoritar no spotify.


ninguém passa incólume a Elvis Presley. e para quem sabe pouco sobre a história dele, o filme é um ótimo pretexto para conhecer mais. a trama é escrita e dirigida pelo australiano Baz Luhrmann. quem assistiu Moulin Rouge (2001) e The Great Gatsby (2013), também assinado pelo diretor, vai reconhecer a estética. 


"Elivis" não é o primeiro filme sobre a vida do ídolo pop. a diferença, desta vez, está no narrador escolhido para contar a história - o empresário do cantor, "coronel" Tom Parker (Tom Hanks). 


Parker é conhecido por explorar e roubar Presley (Austin Butler) por mais de 20 anos, usando as vulnerabildades dele e da família. é visto também como o responsável pela depressão e pela dependência que Elvis desenvolveu em tranquilizantes e outras drogas - uma combinação que resultou em sua morte precoce. penso que o interessante do filme é acompanhar tudo isso pelo ponto de vista do "vilão", e ainda assim, terminar o filme com ódio dele.


permitir que Tom Parker construa toda a narrativa invevitavelmente traz uma humanização para o coronel. é que ele, bem ou mal, justifica as próprias atitudes - e responsabiliza Elvis por "se permitir ser explorado". de fato, em determinados momentos da história, a gente questiona a ingenuidade do cantor.


o ponto alto do roteiro, na minha perspectiva, é a tentativa de dar créditos à cultura negra pela fama de Elvis Presley. o filme começa situando o menino Elvis em uma comunidade pobre e majoritariamente ocupada por pessoas negras em Mississipi, onde ele morava com a família. sofreu grande influência, desde a infância, da música gospel negra. adolescente, em Memphis, começou a ficar conhecido por fazer cover de grandes hits da black music - que na voz de um jovem branco ganhou passabilidade e chegou aos grandes palcos.


o filme também mostra uma relação próxima entre Elvis e B.B King - o rei do blues.

 "eles podem me prender por atravessar a rua, mas você é um branco famoso" - essa é uma das falas mais emblemática de B.B  King em um dos diálogos com Presley, que na época era perseguido pela dança libidinosa que virava a cabeça das moças de família.


não se sabe se a amizade entre os dois foi tão próxima quanto a retratada nas telas. mas, é essa relação que, no filme, ajuda a construir alguma consciência política de Elvis, em meio à ebulição da luta pelos Direitos Civis nos EUA.


é preciso mencionar também a atuação de Austin Butler, que sublimou a mera imitação. os trejeitos estão lá, mas não simplesmente. ele de fato se tornou um Elvis. e a caracterização de Tom Hanks como o canastrão Tom Parker me deixou várias vezes na dúvida. eu só acreditei que era o ator quando vi o nome dele nos créditos.


Indicações ao Oscar 2023

Melhor filme
Melhor ator (Austin Butler)
Melhor edição
Melhor design de produção
Melhor fotografia

Melhor figurino

Melhor maquiagem e penteado

Melhor som


Já levou
BAFTA e Globo de Ouro de melhor ator (Austin Butler)



quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Potência Materna

 o que leva uma artista bilionária, há sete anos afastada dos palcos, a subir numa plataforma flutuante para se apresentar novamente em um show transmitido para 120 milhões de pessoas ao vivo? 

um filho. 

depois de recusar por anos o convite de se apresentar no intervalo do super bowl, rihanna encontrou no pós-parto (e grávida pela segunda vez) o momento certo para o retorno. 

é saber que você pode fazer qualquer coisa, até mesmo coisas que parecem as mais loucas, como: 'vou dizer sim ao super bowl no meio do pós-parto? que diabos eu estou pensando?' mas, você fica empolgada pelo desafio porque você sabe o que seu corpo acabou de fazer. é uma sensação de 'nada é impossível

a entrevista de rihanna para vogue britânica é cheia de declarações potentes como essa.

e como é importante uma mulher, com o alcance que ela tem, pautar esse assunto. 

a vida muda muito com a maternidade - até a da rihanna! das roupas às prioridades de vida, tudo precisa ser reajustado. mas, o portal que a gente atravessa desperta nossas potencialidades. e ao contrário do que prega a cultura ocidental e patriarcal, depois de ser mãe a gente pode muito mais coisa do que podia antes.

a gente acessa o maior poder de todos: o da criação. em todos os sentidos. 

ser casa dentro. gestar. parir.

ser casa fora. maternar. gerir. 

quem faz isso pode, literalmente, fazer qualquer coisa. e tem motivação suficiente para isso. 

criar um jovem negro é uma das responsabilidades mais assustadoras da vida. você fica tipo, ‘o que estou deixando para os meus filhos? este é o planeta em que eles vão viver?' todas essas coisas realmente começam a bater de forma diferente 

é isso mesmo, riri. 

as habilidades comportamentais e competências subjetivas (as chamadas soft skills) que a gente desenvolve depois da maternidade são imensuráveis - e é isso que mantém a roda desse mundo girando. 

sem romantizar. não é um trabalho fácil, muito pelo contrário. se a rihanna, bilionária, com toda a rede de apoio e conforto que o dinheiro acessa, admite a exaustão, imagina a mulher da periferia, sem carteira assinada, nem plano de saúde. 

o desafio é fazer com que tudo isso seja reconhecido e valorizado. um movimento que começa por nós, mulheres. especialmente as que têm privilégio de acesso a locais de decisão. é preciso apoiar outras mulheres e parar de reproduzir esse pensamento tacanho de que a mãe está limitada ou produz menos. 

a gente pode mais e melhor em todos os aspectos. o que não significa que conseguimos tudo sozinha. 

mas, isso é assunto pra outro artigo. na verdade, é assunto pra livro :) 

e vem aí! (com Gabi Kopko e outras mães potentes!)

#potenciamaterna

#rihanna #voguemagazine #maternidade

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Oscar 2023: "Os Falbemans"

 segundou! dia de resenha do oscar 2023.

e esta semana é a vez de “Os Falbemans”. 

a sinopse não me atraiu não, mas fui assim mesmo. ainda bem! fiquei positivamente surpresa. 150 minutos de uma história muito envolvente, de personagens complexas e nem um pouco óbvias. gosto!

a direção e o roteiro, semiautobiográfico, são de Steven Spielberg. sim, o enredo é baseado na infância e juventude do diretor, tanto os dramas familiares como o despertar para o mundo da sétima arte. aliás, a família e o cinema foram homenageados de uma forma muito sensível e cuidadosa no filme. 

não é a primeira vez que Spielberg aborda a história do cinema em seus roteiros. para além de referências e menções aos clássicos da produção norte-americana, dessa vez ele acrescenta a própria vivência e leva a gente a acompanhar o desenvolvimento da indústria do entretenimento, das câmeras, dos recursos de edição... tudo muito bem amarrado com as questões de uma família judia em ascensão econômica nos EUA.

o contexto histórico é o pós Segunda Guerra, no boom da terceira Revolução Industrial. o pai da família (Paul Dano) é um engenheiro pragmático, de mente brilhante, que surfa no desenvolvimento da alta tecnologia, com a informática e a robótica. 

um ótimo pai e marido, mas que não alcança o espírito livre da esposa artista (Michelle Williams) - pianista que abriu mão da carreira pela família, mas que não cabe na caixinha do tradicional. aliás, Michelle Williams - palmas!  

o jovem Sammy (Gabriel LaBelle), filho do casal, e seu cinema amador são peça chave nessa engrenagem. que vai ganhando contornos cada vez mais interessantes a medida que as relações se aprofundam e as personagens amadurecem. 


Indicações ao Oscar 2023

Melhor Filme

Melhor Direção

Melhor Atriz (Michelle Williams)

Melhor Ator Coadjuvante (Judd Hirsch)

Melhor Roteiro Original

Melhor Trilha Sonora

Melhor Design de Produção


Já levou

Globo de Ouro de Melhor Filme Dramático e Melhor Diretor

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

As vozes de 'Torto Arado'

Após 1 ano e meio na fila, Torto Arado saiu da estante e passou a ser meu companheiro diário nas idas e vindas entre minha casa e o local de trabalho. 

O ano começou com o retorno ao formato 100% presencial e a leitura prazerosa foi a forma que eu encontrei de tornar esse deslocamento proveitoso de alguma forma. 

O livro merece todo o barulho que causou. E agora entendo o estardalhaço em torno de @itamarvieirajr . Uma narrativa que mexeu com as minhas entranhas. Revelou tudo de Belonísia e Bibiana que há em mim, que traz junto Salus, Donanas, Marias Cablocas. 

Falo do lugar de uma mulher preta, que sentiu de forma visceral toda a trama. Sob a minha perspectiva, Torto Arado é um enredo de histórias protagonizadas por mulheres, contatada por mulheres, revelando as dores e as delícias do povo quilombola que resistiu (e segue resistindo) depois da emancipação tardia e que apenas mudou o nome do regime de servidão imposto. 

O mérito do autor é dar voz a esse povo. É permitir que falem e disputem a narrativa. E, sim, é uma obra de ficção. Mas não é. Há milhares de Bibianas, Belonísias, Salus e Donanas nesse país, que ouviram as histórias das mães e das avós, que repassaram histórias das mães e das avós... a oralidade também é um legado de resistência da população negra. E a forma como Itamar Vieira Jr escolhe as narradoras dessa história é sensível e genial. 

Torto Arado é essencial para qualquer pessoa que queira entender a verdadeira História do Brasil. Felizmente, o livro já começou a aparecer na lista de vestibulares de universidades do país. 

A melancolia me envolveu após a reflexão gerada pela leitura. Tanto que esperei tudo decantar aqui, antes de escrever sobre isso. Sigo no processo, mas agora envolvida pela esperança: perceber como avançamos desde nossa família que sofreu por séculos em cativeiro é perceber a soberania da nossa tecnologia de resistência. E nos orienta a seguir firmes, com a certeza que os que virão terão ainda mais legados e abrirão novas fronteiras.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Oscar 2023: "Triângulo da Tristeza"

segunda é dia de resenha e seguimos na maratona dos indicados ao oscar 2023. o filme da semana é “Triângulo da Tristeza” – a produção com uma das mais longas sequências escatológicas que eu já assisti. talvez perca para a “A Centopeia Humana” (2009), mas acho que esse é insuperável. 

 

o sueco Ruben Östlund, diretor e produtor do filme, é conhecido pelas cenas incômodas e desconfortáveis. o celebrado “The Square: A Arte da Discórdia” (2017) levou o prêmio principal do de Cannes 2018 e chegou ao Oscar no mesmo ano, indicado como Melhor Filme Estrangeiro.

 

a dobradinha se repete agora com “Triângulo da Tristeza” - já levou a Palma de Ouro de Cannes e está na lista do Oscar como Melhor Filme. 

 

vale assistir pela linha crítica que é construída – uma sátira em torno da elite financeira global e da nova carreira do momento: os influenciadores digitais.

 

mas, as cenas incômodas e desconfortáveis foram por um caminho que, particularmente, eu não curto. acho que há soluções literalmente menos nojentas para passar a mesma mensagem.

 

de forma geral, achei o filme arrastado. as cenas são longas, algumas repetitivas e que não acrescentam nada ao roteiro. os diálogos são marcados por hiatos de silêncio – alguns simbólicos, outros só chatos mesmo.

 

mas, eu gosto das piadas ardidas ressaltando as camadas de privilégios e da cutucada no choque geracional que constrange os “bem sucedidos”: idosos milionários que fizeram fortuna com a indústria da guerra versus modelos “desconstruidões” que usufruem dos mesmos luxos mas sem ter tanto dinheiro – tudo agora é permuta. 

 

gosto também da sátira às relações de poder estabelecidas por gênero e dinheiro. mas, há apenas uma breve e solitária menção à questão de raça. 

 

boa parte da história se passa num iate de luxo, durante um cruzeiro onde toda essa gente rica se encontra e contrasta com a tripulação – muitos trabalhadores imigrantes.

 

é nesse cenário que se dá a metáfora escatológica: na hora do enjoo em alta mar, não importa quantos diamantes tem o seu colar. daí vocês imaginem a cena. 

 

é quase um chafurdar em meio a uma disputa de frases ‘capitalistas’ x ‘marxistas’. a batalha é protagonizada pelos eixos da Guerra Fria, mas ao contrário: um russo milionário do ramo de fertilizantes que aplaude o capitalismo e o capitão do iate, um estadunidense defensor de Marx que faz críticas diretas ao próprio país. 

 

não é um debate profundo nem traz nenhuma novidade, mas considero o ponto alto do filme. e gosto também do trabalho de Woody Harrelson, que interpreta do capitão.

 

 

Indicações ao Oscar 2023
Melhor Filme
Melhor Roteiro Original

 

Já levou

Palma de Ouro no Festival de Cannes
Prêmio de Cinema Europeu de Melhor Filme

Prêmio de Cinema Europeu de Melhor Direção