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segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Muito além do fraldário

Sair de casa com um bebê é um evento. Quem tem, sabe.

A gente começa a se organizar hora antes. Mentalmente, dias antes.

Primeiro arruma a sacola da criança. Depois a criança. Depois arranja alguém pra cuidar da criança enquanto você se arruma. Se não tem, manobra criança, chocalho, rímel e creme para pentear em apenas duas mãos.

Quando acaba, você já precisa de outro banho. E o bebê, de outra fralda.

Mas, você quer muito ir! Pega a criança, a sacola da criança, a sua bolsa, o seu vestido amarrotado e vai!

Depois dessa maratona, tudo o que a gente quer é comer pizza e rir com as amigas. 

Mas, está na hora da papinha.

E depois o neném quer colo.

E depois o neném quer dormir.

Entre papinhas, choros, e peito pra fora, uma fatia de pizza pra mãe faminta. 

"Não, querido garçom, não precisa recolher o meu prato. Eu ainda estou comendo. Aham. Estou sim. Obrigada!"

Somos sempre as últimas.

Opa! Sobrou uma fatia ali! Tá fria, mas com isso a gente já até se acostumou!

Uma mordida. Uma reclamação, que vira chorinho. 

É sono mesmo.

Vai dar uma volta pra ninar a criança. 

20 minutos
.
.
.
Dormiu!

"Licença, licença, licença, senhora" - grita o garçom enquanto você coloca a criança adormecida no carrinho.

O "licença, licença, licença" foi no mesmo tom de um "sai da frente você e esse seu carrinho que eu preciso passar e atender clientes que não atrapalham a circulação da minha pizzaria".

A fome vira constrangimento que vira raiva.

"Ok! Vamos comer assim mesmo, que eu vim aqui pra isso!"

Não tem mais prato. Não tem mais pizza. Recolheram a mesa. Levaram a fatia mordida e fria que a gente tanto esperou pra comer.

E agora o garçom esbarra no carrinho de cinco em cinco minutos, mesmo com a criança dormindo lá dentro.

E manobram bandejas em cima dele. Mesmo com a criança dormindo lá dentro.

Há lugares que não foram feitos para mães e seus bebês.

Boa parte da sociedade ainda acha que a gente tem que ficar em casa. Ou, no máximo, dar uma volta no shopping.

Restaurantes? Casas de show? Pra quê? Fiquem em casa cuidando dos seus bebês!

Você não acha nem fraldário no banheiro. 

Agora tem lei pra colocar até nos masculinos.

Acho ótimo! 

Mas, importante mesmo é o acolhimento do lado de fora do WC.

Então, nobre empresariado, sinta-se honrado se a gente faz todo esse esforço pra sair de casa e ir gastar dinheiro no seu estabelcimento com nossos bebês. O mínimo que você pode oferecer é gentileza no atendimento.

E um fraldário decente.












quarta-feira, 20 de novembro de 2019

O que dá pra ser

6:00am - despertador.

Tá na hora. Vai começar.


É uma rotina, mas sempre tem uma surpresa. Tem dias que ele está bem humorado e fica feliz no bebê conforto esperando - e observando! como observa :) - eu me arrumar.

Tem dias que ele chora o tempo todo. Bom, não é bem choro. É um protesto. Uma reclamação.

Tem dias que é choro mesmo.

E tem dias que ele dorme até quase a hora de sairmos. 

6:40am - junta a tralha e desce com tudo. 

Não é viagam, mas parece: a bolsa que vai com ele pra creche + a bolsa que vai comigo pro trabalho + a bolsa que vai ficar na casa da avó depois da creche + a bolsa que guarda a bomba de leite + a criança

Acrescente aí um guarda-chuva nesse última semana.

E cada dia uma supresa.

Tem dias que ele vai cantando.

Tem dias que ele vai dormindo.

Tem dias que ele vai chorando. 

o
caminho
todo

Hoje foi um desses dias.

Protesto enquanto eu me arrumava + choro o caminho todo até a creche.

Tudo isso antes das sete da manhã.

Depois disso tem um engarrafamento delícia no caminho pro trabalho.

E só então começa o dia.

.
.
.

Oito horas de labuta. 

Volta pra rotina supresa.

E finge que nada aconteceu, porque seu filho está com saudade. Ele quer colo, quer atenção. Você também está com saudade. E exausta.

A sensação é de que a gente faz tudo, mas não faz nada direito. Hoje queimei a papinha. 

Ontem, esqueci em casa o potinho de armazenar o leite.

Amanhã é uma supresa.

Toda essa confusão, esse esquecimento, esse cansaço, essas olheiras, os comentários de "você está abatida" que ouço... Tudo isso me fez ter a real dimensão da minha imperfeição.

E estou bem em paz com isso.

Eu tenho um monte de falhas. Eu esqueço um monte de coisas. Eu queimo a papinha. Esta semana meu filho está usando roupa apertada porque mudamos do calor pro frio em dois dias, as roupas quentes estão pequenas e eu não consegui comprar novas. Eu esqueço o pote de armazenar o leite pro dia seguinte. Eu deixo o mamão perder. Eu deixo roupa de molho no balde por quase uma semana. Eu limpo a casa à prestação (cada cômodo num dia, quando acabo, tenho que começar de novo). 

Entendi que vai rolar isso mesmo. Simplesmente não dá pra fazer tudo. Esse manual da perfeição é inatingível e insano. 

Rasguei.

Sou humana e não uma supermáquina. O fato de parir não me transforma numa supermulher.

Sou uma mulher que pariu. E que precisa cuidar de um bebê, da vida profissional, da vida financeira, da vida social (eu nem lembro mais como é), da vida amorosa... Com todos aqueles defeitos que eu tinha - e alguns novos que eu descobri.

Algumas dessas áreas aí vão ser negligenciadas. Fato. Mente quem diz que dá conta de tudo. Não dá! Sem ajuda é impossível cuidar de tudo. 

A gente elenca prioridades e vai segurando o que resta no malabarismo.

É bom "humanizar" a maternidade. Somos falhas. É bom e saudável que nossos filhos saibam disso. 

É bom que a gente saiba disso. 

É bom até pra olharmos nossas mães fora desse lugar. São mulheres que também manobraram e fizeram o que deu pra fazer, dentro dessa "humanidade".

Tem dias que dá pra fazer mais - e a gente vai lá e faz.

Tem dias que são mais pesados que o normal - e a louça vai ficar pra amanhã mesmo.

Aliás, a minha panela queimada vai dormir lá, de molho na pia. 

















sábado, 9 de novembro de 2019

Espelho estranho

Sempre que eu me olho no espelho enquanto estou tirando leite no baheiro da firma, levo um susto: quem é esse pessoa refletida ali? Quem é essa mulher? Como ela está diferente do que eu era acostumada a ver... parece uma desconhecida.

Todo dia a mesma coisa. Ordenhar está na lista das "novas atividades cotidianas" desde que eu voltei a trabalhar.


pausa para manifestar a minha estranheza com esse verbo, "ordenhar". acho tão animalesco. mas, amamentar é isso mesmo. animalesco no sentido inclusive dos instintos. aliás, tem muita coisa de animalesca nesse coisa de gestar/parir/alimentar...

Ordenhar. Todo dia tenho que ordenhar porque o peito enche de leite e não tem neném por perto. Aí, você garante o leitinho da criança do dia seguinte, para o momento em que ele perceber que você não está por perto.

O peito cheio de leite mexe mais com o psicológico do que com o físico. Pelo menos pra mim tem sido assim. Quando passa muito tempo, ele começa a empedrar. E dói. Bom, não chega a ser uma dor, mas é desconfortável.

A dor no peito existe, mas é aquela do sentido figurado. Dor de aperto. De angústia. De culpa.

E aí, em meio a essas dores, com a bomba de leite num peito e o outro vazando, a imagem refletida no espelho parece não fazer nenhum sentido. É como se uma outra pessoa tivesse ocupado o meu lugar e eu, assistindo de fora.

Não sei se é porque eu me olho muito menos no espelho agora. Ou porque mudei tanto que nem me reconheço. Ou as duas coisas.

O corpo, cedo ou tarde (ou muito tarde, respeitemos nosso tempo) vai voltando pro lugar. A gestação deixa marcas de recordação, pra te lembrar que um bebê se formou, cresceu e morou ali dentro. 

Um dia você se despede do barrigão da gravidez, depois do inchaço do pós-parto. Um dia seu cabelo para de cair e novos começam a nascer naquelas entradas enormes que surgiram na testa. Durante esse processo tudo parece ser eterno. E você acha que vai ficar assim pra sempre: de moletom e careca. Mas, os meses passam, você se olha e leva um susto quando percebe que  


"uai, parece que está voltando ao normal"
((menos as olheiras, essas aí ainda me acompanham. são fiéis))

Agora, a mudança interna... essa aí te desconfigura inteira. E na essência. Não é uma baguncinha ali de roupas jogadas em cima da cama não. É um tsunami que tira alfinetes e tijolos do lugar. Uma bagunça profunda. Uma bagunça raiz.

E aí, pra se encontrar no meio dessa confusão é complicado. 


Muito mais do que voltar a caber naquele jeans pré-gravidez

Acho que vem daí a estranheza no reflexo do espelho. Muda tanto dentro que começa a refletir fora.

A tal da maturidade, ela também se apresenta. Sabe aquela história de "escolha suas batalhas"? Então... você começa a fazer isso sem nem perceber... é que não sobra tempo - literalmente

"Sem tempo, irmão" 

Pronto. O vidrinho de leite encheu - por hoje é isso. Guarda a bomba, fecha a blusa, finge que se reconhece e segue o baile. 

Antes de sair do banheiro, uma última olhada no espelho: "é... tá estranho, mas talvez seja bom. Vamos dar uma chance pra essa nova pessoa"





quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Fecharam o café

Outro dia voltei no mesmo self-service perto do trabalho onde eu almocei praticamente todos os dias nas últimas semanas da gestação.

Tudo estava como era antes, sete meses atrás. Os mesmos funcionários, o mesmo cardápio, o mesmo desconto para funcionários da firma... a diferença é que dessa vez eu pude colocar salada crua, coisa que você evita comer fora de casa durante os nove meses da gravidez.

É... tudo continua na mesma. Parece que sai daqui ontem!

Outra coisa que eu sempre fazia era tomar capuccino na livraria perto dali. Adoro o capuccino de lá. Mas, durante a gravidez a gente também evita café. 

Não sei se tem base científica, eu evitei. Até porque enjoei. 

Enfim, fazia MUITO tempo que não passava lá pra tomar um capuccino e a ideia de reviver esse momento corriqueiro me empolgou demais. Lá fui eu, sorridente e animada até à livraria.

Nada estava no lugar! A livraria estava completamente diferente. Fecharam o café!

Fecharam
o
café

A sensação era de que eu dormi por milênios, acordei, e não reconhecia mais nada.

A atendente que era minha amiga, a que sabia o jeitinho do meu capuccino, a que nem esperava eu pedir porque já sabia o que eu queria, estava grávida da última vez que a vi.

O filho dela já tem um ano e quatro meses - me contou sorrindo.

Por quanto tempo eu dormi?

((ou melhor: por quanto tempo perambulei pelo puerpério? - dormir está entre as atividades que eu menos fiz nos últimos meses))


Em questão de minutos eu fui de "a vida nem mudou tanto assim" para "nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia".

E tem sido assim.

Tem dias que a gente acorda e acha que tudo vai um dia se encaixar, ainda que você não consiga almoçar e esteja sem lavar o cabelo há uma semana.

Em outros a única solução parece ser chorar compulsivamente no caminho pro trabalho, depois de deixar o neném na creche - chorando também, gritos que você consegue ouvir do lado de fora, mas "o dever chama" e o relógio não espera.

E aí toca uma música no rádio. E você lembra que gosta de música. Que gosta daquela música. E a sensação é de ter encontrado uma velha conhecida que não via há anos!

"Oi, Carol, você por aqui? Que coisa boa saber que, vez em quando, você aparece!"


Ela está por aqui. Em algum lugar. Aquela Carol de antes às vezes aparece. Bem rapidinho, só pra lembrar que foi ela quem ajudou a fazer o caminho até aqui. Depois vai embora. Não é mais o momento dela.


Essa Carol de agora ainda está meio deslocada. Está tentando caber: no novo espaço, na nova rotina, nas roupas. Fazendo malabarismo para carregar sacola, carrinho, neném  e culpa. Se acostumando com a nova bagunça da bolsa, que tem caneta, crachá, bomba de leite e mamadeira.

É uma bagunça mesmo. Por dentro e por fora.

Não dá para trabalhar fora, cuidar do neném, juntar brinquedos, colocar roupinha de molho, cuidar do neném, fazer papinha fresca todo dia, recolher o lixo, arrumar a cama, cuidar do neném, limpar o chão, lavar a louça, lavar o banheiro, cuidar do neném.


Simplesmente não dá. Não cabe em 24 horas. Nem em 48.

Vai ficar coisa fora do lugar. Do lado de fora e do lado de dentro.

Tem que abrir mão de algumas coisas.


Do controle, principalmente.

Isso não existe


E de tudo mais que estiver pesando a carga.

Afinal, são apenas dois braços. Uma coluna estourada.

E um peito cheio.

Porque, se não é o amor... eu nem sei!


Em tempo:

você que convive com mulheres que estão nessa recém-maternidade (não importa se do primeiro, do segundo ou do décimo filho), seja paciente e delicado com as palavras. Você que não sumiu nem se escondeu e ainda que ser amigo/amiga dessa mulher, compreenda que nosso mundo está meio bagunçado, mas a gente ainda quer (e precisa) conversar. Você que faz parte da rede de apoio, ajude a cuidar do neném, mas lembre que a mãe também precisa de cuidado, de tempo pra autocuidado.

Pela atenção obrigada.






sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Mães invisíveis

Se tornar mãe é, arrisco dizer, a experiência mais transformadora que podemos viver. Um privilégio da mulher. Que traz com ele também uma carga.

A vida muda desde o instante em que você vê os dois risquinhos no teste de farmácia. 

Tá. "No instante" não. Leva um tempo pra sair do transe e a ficha cair

Mas, depois que cai... já era.

São nove meses de exame atrás de exame, restrições alimentares, preocupações: está bem? tem cinco dedos em cada mão? o coração está perfeito? está crescendo direitinho?

Na primeira morfológica (para quem ainda não passou por isso = ecografia que verifica a formação de todos os órgãos do bebê) a gente sua frio, um misto de medo e ansiedade pra saber logo se está tudo bem.

Tudo no lugar. Tudo formadinho

Um alívio. Um amém (pra quem é de amém).

Mas, e quando essa resposta não vem?

Os meus relatos aqui fazem sentido pra quem compartilha da minha bolha. Essa noção eu tenho. E isso começou a me incomodar há algum tempo.

A gente sabe do cansaço, da privação de sono, dos mamilos doloridos, da falta de tempo pra si mesma. A gente sabe e reclama de tudo isso. 

E tudo bem reclamar. É cansativo mesmo é ótimo que estejamos falando sobre isso. Desromantizar (a palavra da moda) é preciso

Mas, eu fico pensando que a gente passa por tudo isso tendo uma rede de apoio, tendo acesso à informação, tendo uma condição financeira ok e, o mais importando de tudo: tendo filhos saudáveis.

Quando falta qualquer um desses elementos a carga é MUITO maior. Quando a complicação é na saúde... não sei nem dizer.

Das sincronicidades que a vida tem, uma apuração no trabalho me afundou nessa reflexão. 

Como é a realidade das mães de bebês com deficiência?

As mães dos bebês com microcefalia, como ficaram conhecidas. O zika vírus que mudou a realidade de tanta gente. A microcefalia é a síndrome mais comum, mas vem associada a inúmeras outras complicações: epilepsia, problemas de visão, de audição, de fala, de deglutição... 

O surto de 2015-2016 pegou todas essas mães de surpresa. Elas não ouviram que estava tudo bem depois da morfológica. 

Não estava. Ainda não está. Nem vai ficar.

Se a vida da mãe de um recém-nascido para, o que acontece com a vida da mãe de um recém-nascido com má-formação?

Se a gente se torna invisível pros amigos, como se sente a mãe de um bebê com deficiência?

Se a gente reclama das noites em claro, do bebê com cólica e do bebê com a gengiva coçando, o que faz a mãe de um bebê que convulsiona e por isso precisa ser monitorado 24 horas por dia?

Quem abraça essas mães? Quem olha pra elas?

Largam o emprego - o bebê exige dedicação exclusiva. 
São largadas pelos companheiros - a maiora dos pais não segura a onda.
São abandonadas pela sociedade. Essa sociedade que "diz gostar de criança".


Não gosta. Acha fofo, mas não gosta 

Não se preocupa. Não se une pra proteger. Não inclui. Não cuida.

Tem muito discurso. Pura bravata.

Na prática, o que se vê são hotéis e restaurantes que impedem entrada de crianças, gente torcendo o nariz quando percebe que tem um bebê no voo, reclamando do barulho das crianças "gritando" na quadra de esporte do bairro, desviando quando vê uma mãe cheia de sacola, empurrando o carrinho com um braço e segurando o neném - que se recusa a ficar dentro dele - com o outro. 

Na prática, tem um quilo de mãe se desculpando por aí quando o neném chora. 

A sociedade finge que se preocupa com a criança. Na prática, "é responsabilidade dos pais". Pontofinal.

Corrigindo: "É responsabilidade da mãe". Pontofinal.

Isso quando são crianças saudáveis. No caso das crianças com deficiência a sociedade simplesmente ignora. Finge que não existe.

Não tem inclusão nas escolas. Não tem acessibilidade no transporte público, nas praças, nos parques... Não tem acolhimento pras mães.

Os bebês sofrem? Arrisco dizer que não. Eles não conheceram outra realidade. Não nessa encarnação (pra quem é de encarnação).  

Mas, e as mães?

Essas mulheres que sairam um dia pra fazer um exame de rotina do pré-natal e nunca mais foram as mesmas?

Essas mães que serão mães de eternos bebês? Que choram a perda prematura dos filhos?

E a saúde mental dessas mães?

Percebem como a gente vive numa bolha?


Até eu descobrir uma forma de fazer mais, fica aqui meu abraço de amor a todas as mães. 

TODAS.













quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Três dias, mil pedaços

É bom 

A gente volta se sentir agente, volta a fazer algo pra si própria. Vestir uma roupa que não seja moletom e camiseta. Sair sem carrinho. Sem uma sacola gigante. Ligar o rádio e ouvir música alta dentro do carro. Falar com adultos sobre assuntos triviais - sobre política, sobre o clima.

É estranho

Sempre parece que "tá faltando alguma coisa". Primeiro porque a última lembrança da rotina de trabalho contém uma barriga gigante de 37 semanas. ((agora temos uma barriguinha proeminente e alguns centímetros a mais no quadril, mas sobre isso eu falo outra hora)). Depois, sete meses com um pacotinho pendurado - ou no colo, ou no peito. 
Andar por aí só com uma bolsa dá a sensação de que alguma coisa ficou pra trás.

É ruim

Será que dormiu? Será que comeu? Será que trocaram a fralda? E a musiquinha que acalma, quem vai cantar? Não quero saber de política, quero aquele cheirinho bom de pescocinho suado!  

Voltar ao trabalho é tudo isso.
É bom. É estranho. É ruim.

Dá saudade dele. Daquela mesma que a gente sente de si mesma quando está mergulhada no puerpério e pensa: "não vejo a hora de voltar pro trabalho".

Dá culpa. O neném está dormindo lindinho e você tem que ir porque o relógio não pára e você não pode ser atrasar (mais). Aí você lembra que não vai estar lá quando ele acordar. Quem estará vai dar colinho? Ele vai ser bem tratado?

É muita coisa, muito sentimento, tudo ao mesmo tempo.

E foi só o terceiro dia.

Já teve sensação de liberdade. Já teve choro desconsolado no trânsito depois de se despedir. Já teve alívio por saber que ele sobrevive. E bem.

Tem pressão de todos os lados. E todos têm uma solução. 

"Fica em casa"
"Põe na creche"
"Vai atrás de outra babá"


Todas as soluções são boas. Depende do que você sente. Não existe fórmula mágica e não existe maneira errada. Separações doem mesmo. Leva um tempo até se adaptar.

Mas, tudo entra nos eixos. Dizem.

Eu acredito.

Se tem uma coisa que eu já aprendi nessa história de ser mãe é que o tempo é implacável. O enjoo matinal do início da gravidez - passa. A dor nas costas do sétimo mês também passa. E lá no fundinho fica a saudade do neném fazendo festa dentro de você.

As contrações. Passam.
O sangramento "eterno" de 20 dias no pós-parto - passa.
As hemorroidas ((sim, você leu bem: HEMORROIDAS. elas surgem com a prisão de ventre da gravidez. e sabe o empuxo no parto natural? aham! hemorroidas!)), elas também passam. Assim como o medo que dá de fazer cocô logo depois de parir.


Tudo isso passa. E lá no fundinho (sem trocadilhos com as hemorroidas, por favor!) fica a lembrança boa de ver os olhinhos do seu filho pela primeira vez.

As cólicas "intermináveis" do neném com intestino imaturo. Passam.

A dor da amamentação que te faz chorar sangue e pensar que vai perder o mamilo. Passa também.

E lá no fundinho fica a saudadezinha daquele bebê de dedinhos enrugadinhos que cabia inteirinho no seu colo.

A privação de sono. Passa - leeeentamente, mas passa.

Bom. Disso eu não tenho saudade não. Até porque ainda acordamos de madrugada por aqui.

São fases. Com início, meio e fim. 

Essa primeira separação é mais uma delas. Primeira porque devem vir outras.

O que significa que: sobreviveremos!

Melhor aproveitar enquanto ele ainda me quer por perto. :)





sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Primeira baixa: a cuidadora

Algumas horas depois de desabafar aqui sobre a dor da separação, a menos de uma semana de voltar pro trabalho, a cuidadora que eu achei ter caído do céu para ficar com MM manda uma mensagem:

"desculpe, não vou continuar. estou me sentindo incapaz"

menos
de
uma
semana
para
voltar
a
trabalhar

Foram dez dias de adaptação. Dias difíceis. 

Passei a reta final da licença tentando fazer meu filho se acostumar com quem, até então, passaria a cuidar dele enquanto eu estivesse fora. Obviamente nada disso faz sentido pra ele.

Não faz nem pra mim, não vou mentir

Ele chorou. Chorou muito. Não aceitava niguém. O primeiro dia de "teste" foi bem traumático.

Bom, fiz errado. Não deveria ter saído assim, logo de cara. Amanhã vou ficar em casa para não ser uma ruptura bruca - pensei eu, tão confusa quanto ingênua.

Duas semanas passando as tardes dentro de casa para ele se acostumar.

Toda a expectativa de voltar a correr, comprar roupas pra trabalhar, e, de repente, quem sabe, num mundo de fantasias, tirar um cochilo enquanto a cuidadora recém-contratada segurasse a onda foi frustrada.

Nenhuma onda foi segurada.

Tem muito de frustração nessa história de maternar. Esperar por ajuda, por exemplo, é uma clássica maneira de quebrar a cara. 

É que a vida de todo mundo segue. E é ótimo brincar com um bebê fofinho por alguns rápidos minutos. Mas, permanecer por uma horinha pra você limpar a casa - veja bem, não é pra bater perna no shopping, é para LIMPAR A CASA - não dá. Todo mundo tem seus afazeres. 

Você que espere o bebê fofinho pegar no sono e vá limpar a casa de madrugada. 

Bom, cada mãe tem seu método. E cada uma tem também um ou dois anjos que aparecem quando mais precisa. Ninguém cria filho sozinho. Não dá. Uma rede de apoio, ainda que mínima, será SEMPRE necessária.

A grande lição anotada até agora é "não crie expectativas porque nada está sob controle".

Nada mesmo.

A gente meio que já ouve isso no decorrer da vida, mas depois de ter um filho essa verdade te dá um cruzado no queixo.

Qualquer coisa pode acontecer. Um coco explosivo depois que você já chamou o uber; uma golfada na camisa que você acabou de vestir pra sair; uma gengiva coçando de madrugada na primeira semana em que ele (aleluia!) dormiu cinco horas seguidas; uma cuidadora que desiste a uma semana do seu retorno ao trabalho.

E vida que segue.

Porque filho também ensina que não dá pra parar. A vida não tem "pause". Um bebê nunca espera. Você pisca, ele rola e cai do carrinho.

Sim. Acontece. Quedas são reais.

E vida que segue.

Não dá muito tempo pra pensar também não. Tem que agir. Reagir.

E vida que segue.



terça-feira, 24 de setembro de 2019

Separação

Contando os nove meses da gestação mais os quase sete meses de vida do meu filho, estamos juntos a um ano e quatro meses. 480 dias de um dormir e acordar quase que devotado a um serzinho que vira nossa prioridade desde que era um amontoado de células em expansão.

Um relacionamento íntimo, simbiótico. Nos leva à exaustão, mas nos apresenta a sentimentos lindos, antes desconhecidos, em intensidade colossal. 

Você está mergulhada nesse novo universo quando, de repente, não mais que de repente, a licença maternidade acaba. Você acorda um dia e tem que deixar seu filho, aquele pedacinho que está grudado em você há 480 dias, com outra pessoa.

Pode ser o pai, a avó, a babá, a tia da creche, a mulher maravilha. Não é você.

Não é você que vai acalentar quando ele chorar.
Não é você que vai fazer ele dormir o soninho da tarde.
Não é pra você que ele vai dar risadinha quando entrar na banheira todo satisfeito.

Pode ser alguém que vai fazer tudo isso melhor que você. Mas, não vai ser você.

É ótimo voltar ao trabalho. Ter que se concentrar em outra coisa, falar com outros adultos sobre temas que não sejam pomada para assadura ou programação do CineMaterna. 

Mas, também é péssimo - eis mais um paradoxo do maternar.

É como se te arrancassem um braço e dissessem: fica tranquila, ele está sendo bem cuidado, pode ir em paz.

É um pedaço de mim. Não dá pra "ir em paz".

Pode ser drama de mãe leonina, pode ser inexperiência de mãe de primeira viagem, pode ser exagero de quem sofre por antecipação. Mas, tá doendo. 

Mais que o parto.

Dá medo de perder momentos importantes. Essas criaturas fazem descobertas a cada minuto - e estar ausente 8 horas todos dos dias é perder descoberta demais.

Dá medo dele se sentir abandonado.

Dá medo da gente não caber mais no trabalho - assim como não cabe na calça que usava pra trabalhar. (assim como não cabe em um monte de outros lugares).

Dá medo de voltar pra casa e ele não te querer mais. (assim como não te querem em um monte de outros lugares).

[Sim, tem restaurante em Brasília que é pet friendly, mas não tem trocador no banheiro].

Falta uma semana para a grande separação.

Enquanto eu me perco entre meditações para manter o eixo e dúvidas sobre quanto de leite deixar congelado, MM dorme sem nem imaginar o que nos aguarda.

Talvez tudo seja surpreendentemente mais simples. Talvez tudo mude para muito melhor.

Talvez eu doe todas as minhas roupas antigas e faça um armário cápsula minimalista.

Talvez eu consiga voltar a malhar.

E eu deveria estar dormindo.

É assim que funciona uma mente prestes a colapsar?

Melhor parar por hoje.














sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Cortisol maternalmente alterado

Um ano, seis meses e um filho depois: voltei!

Escrever sempre foi um escape. E é disso que eu mais preciso agora. Como quase tudo na vida, o tempo disponível para me dedicar é inversamente proporcional à vontade, mas nesse sexta-feira seca de agosto, decidi aproveitar o precioso sono do MM para voltar aqui.

Quando se tem um bebê tudo que era muito simples vira um jogo de xadrez. (e eu não sei jogar xadrez.) Atividades triviais do dia a dia, como fazer coco, passam a ser momentos muito especiais e entram na lista "o que fazer quando o bebê está dormindo".

(tem também a lista o que fazer quando tem alguém por perto com quem ele se dê bem e tope ficar no colo por mais de cinco minutos sem testar todos os agudos que é capaz de fazer)

Além de fazer coco, comer e dormir, recentemente coloquei "ler" nessa lista. E agora, escrever.


Transar? Não?

Isso aí dá muito trabalho. E pode acordar o bebê.

NINGUÉM quer acordar o bebê.

As prioridades mudam. Fato.

Aliás, não há uma área da vida que sobreviva intacta à chegada de um bebê. Eu diria que do corpo também não. Desde a gravidez é uma rave de hormônios dentro da gente. Ninguém passa incólume.

Não, a sua mãe não passou. A sua avó que tem 20 filhos também não. Elas só não podiam falar sobre isso.

Ninguém admitia estar exausta, nem revelava que sentou na beirada da cama e chorou de desespero junto com o bebê. Afinal, todas nasceram para ser mãe e o instinto maternal é quase um super poder não é mesmo?

Não!

Looooonge disso.

O privilégio da minha geração é ter liberdade para falar - não sem o risco de ser chamada de bruxa, mas, foda-se. Entender que somos humanas, falhas e indivíduos antes de ser mãe ajuda a passar pelo vale do puerpério. A gente se permite mais. E se acolhe mais.

Obrigada, feminismo!

Ainda assim, é desafiador. Muito do que era não é mais, e não por não querer ser - quer muito ser - mas, não pode mais. E muito do que precisa ser ainda não é - não por não querer ser, mas por não saber como.

Não é só o bebê que está aprendendo. A mãe nasce junto com ele. Antes, não tinha nada no lugar - um imenso espaço livre para realizar todas as próprias vontades, dormir nas tardes de domingo, viajar de trem com uma mochila nas costas, fazer o coco matinal e transar sem calcular quanto tempo de sono está perdendo.

Agora, todo esse espaço está ocupado por um serzinho pequeninnho, dois olhinhos curiosos por descobrir o mundo, um sorriso banguela, duas maozinhas cheia de furinhos e um amor que não cabe.

Só tem cinco meses. Aprendi mais que em 32 anos.

(engordei também. e fiquei careca. e tive crise de ansiedade. vários temas para os próximos soninhos de MM).