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sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Eu não sei

A dúvida é um estado legítimo.

Eu entendi isso esta semana. E foi reconfortante.

Percebi que forjei em mim uma mulher de certezas.
Não quero.
Vou.
Não aceito.
Adeus.

 Mas, a real é que agora EU NÃO SEI.

Não sei mesmo. Esse é meu status atual.

E a angústia toda no meu coração não era por não saber. Era por não aceitar esse estado legítimo que é a dúvida.

EU NÃO SEI.

Foi uma epifania. Durante o banho. Depois de uma sessão de terapia (façam terapia!).

Que coisa libertadora é poder admitir que eu não sei o que fazer da minha vida neste momento!

E não tão ninguém me pressionando pra tomar uma decisão – só eu mesma. Minha mente carrasca exigindo um padrão que ela embutiu em mim desde sempre. Uma busca por perfeição e respostas certeiras. Pra ser aceita. Pra ser amada. Pra provar que eu tenho valor, numa sociedade que diz a todo tempo que eu não tenho nenhum.

(Um abraço aqui, irmãs pretas!)

Pois bem. Chega!

.

Querida, mente:

Silêncio, por favor! Eu não tenho essa resposta.  Eu não preciso ter essa resposta agora. EU NÃO SEI.

Esses seus argumentos fazem muito sentido nessa sociedade ocidental, patriarcal, pautada na dominação e busca insana por poder. Mas, essa não é a minha essência.

Eu preciso SENTIR. E você, querida mente, não ajuda nisso. Mais uma vez: silêncio, por favor!

O “não saber” é legítimo. Para descobrir, vou dar ouvidos a outra parte de mim. Àquela que sempre destoa de você. Àquela que tentam sufocar porque me liberta. Ao coração. Ao que chamam de intuição. Ao que ressoa, por mais que não faça sentido.

O povo originário, lá de África, em Kemet, já dizia: “pensar é uma ação coronária”.

sábado, 21 de novembro de 2020

Afrontosa

Aos que nos querem mortos.

Aos que nos querem em silêncio e passivos.

Aos que negam nossas dores, nossa trajetória.

Aos que nos tiram voz, oportunidade, equidade.

Vocês não são os primeiros.

Os que vieram antes de mim. E os que vieram antes deles. E os antes desses. Todos eles  enfrentaram gente como vocês.

Alguns adoeceram.

Alguns se mataram. 

Outros tantos foram assassinados por vocês.

Não é fácil. Mas, nós continuamos aqui!

A força, a coragem, a sabedoria, a bravura. Isso tudo nos acompanha. 

Assim como as dores e a raiva, a resistência. Está tudo aqui, no meu corpo. 

No meu DNA. 

E segue com meu filho. E seguirá com os filhos deles. E com os filhos desses.

Nós seguiremos!

Vocês não são capazes de nos deter. 

Essas pedras que vocês atiram machucam, mas não nos impedem de chegar.

E nós chegaremos!

Nós não estamos sós!

Nós somos a origem. A solução.

Nada disso que você forjaram sobre nossa história apaga o que ela realmente é. E ela é de realeza. De protagonismo. De abundância.

É disso que vocês tem medo. Vocês tem medo de nós porque sabem a potência que somos.

E somos muita potentes!

Ao contrário de vocês, não temos medo. 

E somos justos. Vamos reaver tudo que é nosso.

Já começou!

Continuem esperneando. 

Esse discursos de ódio. Essa falas negacionistas. A gente conhece há séculos. 

Isso não são nada perto da nossa história!

Nós continuaremos seguindo. Cada dia mais fortes.

Resistindo pela existência.

Afrontando!


terça-feira, 17 de novembro de 2020

Mãe solo

 Tenho ficado muito incomodada com esses textos sobre parentalidade e maternidade e psicologia positiva e etc, etc, etc...  

 “Como criar seu filho de maneira bela e respeitar sua individualidade como mulher no maternar”. 

Lindo nome para um curso, né?! 

Desde que venha com o seguinte subtítulo: partindo do princípio de uma família branca, estruturada no padrão cristão e heteronormativo. 

A maioria esmagadora do material que eu encontro sobre maternidade parte do princípio de que a mãe tem com que partilhar a reponsabilidade de educar a cria. 

“Se afaste e respire”

“Peça ajuda e vá fazer algo por você”

E assim segue.


Mas, olha que louco: 11,5 milhões de mulheres criam os filhos SOZINHAS no Brasil. (IBGE/2018).

Se afasta e deixa a criança com quem?

Em que momento da jornada tripla dá pra encaixar o “fazer algo por você”?

Sobre isso, falei hoje com a @reflexões_de_uma_mae solo no meu quadro de maternidade do CBN Brasília. A Thais é, sozinha, responsável pelas duas filhas de 11 e 2 anos.

A advogada Liliana Marquez, presidente da Comissão de Família da OAB-DF, também participou da conversa para deixar bem explicadinho tudo que a lei garante a essas mães e a essas crianças. Vou deixar o link do papo na bio.

Mas, tem outra coisa que me incomoda nesses textos, vídeos, cursos e perfis de maternidade: todos partem de incômodos de pessoas brancas.

Em tempo: criar crianças brancas é BEM diferente de criar crianças pretas numa sociedade estruturalmente racista.

Ser uma mulher branca é MUITO diferente de ser uma mulher preta numa sociedade estruturalmente racista.

Quer mais dado? 61% das mães solo brasileiras são negras. (IBGE/2018).

Não dá pra ignorar essa enorme particularidade. Nem para acreditar em coincidência.

Sendo assim, vamos falar muito mais sobre isso por aqui a partir de agora.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Cansei de brigar

 Passados oito meses da primeira experiência de apresentar um programa de rádio de casa com meu filho de 1 ano nesse “estúdio”, as coisas parecem estar muito mais encaixadas agora.

Bom, oito meses faz muita diferença na vida de um bebê – é quase metade da vida de MM. Mais esperto, mais compreensível... começou a entender a logística da nossa rotina. Fez participações ao vivo? Bom, inevitável! Mas, nada comparado ao início desse confinamento. As primeiras semanas foram ensandecidas.

Mas, a principal mudança foi minha. Parei de me debater nessa areia movediça. Aceitei que esta é a realidade que eu tenho agora – e faço o melhor que posso, dentro do que é possível fazer.

O desespero nascia da não aceitação. Da busca por um ideal que simplesmente é inatingível. Não é possível simular as condições de um estúdio no meu apartamento, com um bebê acordado, ativo, cheio de energia. As condições são essas? O que dá pra fazer?

Fiz. E esse “relaxamento” ajuda meu filho também. Porque uma mãe louca e estressada certamente não consegue agir com calma e paciência – bom, eu não conseguia. Mas, uma mãe que aceita boiar nessa maré e para de brigar com as ondas, se relaciona com mais tranquilidade com a cria. E com todo o resto.

Hoje foi assim no meu estúdio improvisado em casa: um notebook no colo, um microfone na mão e MM do lado. E funcionou.

E não estou aqui romantizando a situação – é cansativo e exige muito. Mas, o desgaste é maior quando parte da energia vai embora na briga com a realidade.

Cansei de briga. De todas elas.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Estupro é estupro

 

É preciso admitir e partir deste princípio: o estupro está na construção da sociedade brasileira. Mulheres africanas escravizadas, mulheres indígenas, eram constantemente violadas pelos colonizadores. E o fruto dessa violência nos constitui como povo.

Esse levante das mulheres contra a cultura do estupro é muito recente. Muitas ainda nem se deram conta disso. Os homens então... é trabalhoso demais descontruir uma ideia que está enraizada há tantos séculos. Por isso, é sempre bom lembrar: não existe “sexo forçado” ou “sexo não consentido”. Tudo isso é estupro.

O conceito de “sexo”, por si só, prevê uma relação em que as duas – ou seja lá quantas partes forem – estejam de comum acordo.

Outro fato que assusta, mas que é preciso encarar para tentarmos construir uma sociedade mais saudável: os homens – até agora – cresceram naturalizando o estupro. Boa parte deles, (isso inclui seus amigos íntimos, seus parentes, seus  primos...) já transou com mulher desacordada ou bêbada demais para reagir.

Nenhum deles admite ser estuprador. Por isso, quando um caso como o de Mariana Ferrer vem a público (como o dela, e até piores, existem MILHARES por aí, todos os dias), relativizar a conduta do acusado é uma forma de amenizar também a consciência deles.

A tese de que “não se sabia se a vítima tinha ou não condições de oferecer resistência” brota dessa naturalização do estupro.

Você não sabe? Simplesmente NÃO FAÇA!

Isso, como se fosse possível um cara não perceber se a parceira sexual está acordada, ou drogada demais.

Mas, ficou não dúvida? NÃO FAÇA!

Não dá mais para tolerar essa estrutura patriarcal que consente ao homem a propriedade de nossos corpos. O julgamento de Mariana Ferrer demonstra como esses homens continuam unidos para defender essa prática abjeta. Homens brancos. Homens ricos. Homens influentes. Homens privilegiados que são capazes de qualquer coisa – como se viu na conduta do tal advogado – para manter esses privilégios.

Mas, esses “privilégios” agora configuram crime. Gostem ou não, o levante começou. E quem se omite é conivente.

É... até que é bom!

 

Depois de sete meses e 15 dias de teletrabalho, voltei excepcionalmente à redação nesse feriado. A constatação é de que sim, foi difícil, mas estou adaptada à rotina de trabalhar em casa.

Foi uma loucura no início. Super complicado administrar um mini estúdio de rádio dentro de uma casa com um bebê de 1 ano. Muitos surtos, muita culpa... muito “não estou trabalhando direito”, somado a “não estou dando atenção pro meu filho”, junto com “será que passei álcool em tudo ou tem algum corona por aqui?”.

O primeiro mês destruiu, inclusive, meu relacionamento. Bom, não isso apenas, mas isso também. E aí, mais adaptações foram necessárias. Mudamos de endereço, e junto com geladeira, fogão e cama... levamos também o mini estúdio.

Uns ajustes ali, muita rede de apoio aqui... encontramos nossa forma de funcionar. Passado todo o turbilhão, consigo ver como, nessa balança complexa da pandemia, o teletrabalho trouxe coisas positivas. Estar em casa me permite acompanhar de perto o desenvolvimento de MM.

Essa fase é muito gostosa! Eles crescem a olhos vistos! De um dia pro outro o pijama de frio simplesmente não serve mais. Todo dia uma palavra nova, uma gracinha diferente, uma personalidade se mostrando – e por aqui, ai ai, o rapazinho parece já saber ao que veio.

Trabalhar me preenche e me realiza demais. Poder continuar fazendo isso dentro de casa, em segurança, e com meu filho perto é um puta privilégio. Agora, consigo assimilar tudo isso.

Não que eu não queira voltar pra rua, pra redação cheia, pro estúdio que só faz silêncio quando a luz de “ao vivo” acende. Quero demais! Mas, percebo como esses últimos sete meses foram importantes pro meu maternar, como isso fortaleceu a minha conexão com a cria.

Sobre voltar aos estúdios, que sensação estranha uma redação vazia e silenciosa. Que estranho voltar pra baia de trabalho, empoeirada, e rever o calendário – que parou em março. Parece que o tempo parou por ali.

Mas, ninguém passou incólume por essa pandemia. Muito menos o tempo.