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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Depois que passa

Eu sempre fui encantada com a relatividade do tempo - essa unidade de medida inventada para forjar o controle da vida. 

Dias, meses, anos... horas, minutos, segundos... o confinamento escancarou os papéis: dominador e submisso. Quem é quem?

Em março tudo entrou em suspenso. Nem os mais pessimistas imaginariam passar quase metade de um ano com restrições até pra respirar. Passou rápido? Ou está passando devagar?

Em março meu filho completou um ano. Parece um borrão, mas eu nunca vivi tanto no espaço de um ano. 

A sensação é de que foram 5 em 1. Acho que meus peitos e meus cabelos concordam comigo.

De março pra cá foram seis meses. E eu não sei dizer qual é a sensação.

Perdas. Muitas perdas. 

Individuais. - De liberdade. De dinheiro. De parceiro. De avós. De sanidade.

E coletivas. - De vidas. Centenas de milhares.

A única certeza é de que não somos os mesmos.

Não significa que melhoramos. Mudamos.

Seis meses. Quanto tempo?

Meu filho aprendeu a andar na pandemia. Confinado.
Organizando minhas coisas para mudança, me dei conta de que há seis meses eu não pegava no carrinho dele. Achei um confete do baile de Carnaval - a última vez que saímos de carrinho, antes do coronavírus.

Um confete de fevereiro. Pareceu do século passado.

Ele não usa mais carrinho. Ele não usa mais banheira. Ele não usa mais bebê conforto. 

Faz 18 meses. E parece que foi ontem que eu estava organizando todas essas coisas esperando ele nascer.

Quanto tempo?

Eu não tenho respostas para nada, apesar de suspeitar de muita coisa. Mas, a conclusão do momento é: não gaste rios de dinheiro com carrinho, banheira, bebê conforto. Nem andador, cadeiras mágicas, slings, etc, etc, etc. Você pisca o olho e tudo isso perde a utilidade. Além de ocupar um espaço danado.

Todas as mães aprendem isso na prática. Mas, uma grande amiga, que foi mãe antes de mim, me salvou. Quase tudo que MM usou foi empréstimo dela. Olívia, 4, e MM, 1, compartilharam carrinho, suporte de banheira, bebê conforto. E tudo está novinho. Pronto pro próximo que chegar.

Consumo consciente. Poupa dinheiro, reduz lixo, libera espaço pro que realmente importa: o tempo.

Sabe aquele clichê,  "aproveita! passa muito rápido"?!

Passa muito rápido.

Depois que passa.








segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Entendi, Caetano!

"Respeito muito minhas lágrimas. Mas, ainda mais minha risada"

Concluída mais uma volta em torno do Sol, alguma coisa aqui fez sentido. Graças a lembranças, mensagens e pessoas que apareceram no meio das felicitações.

Aparições virtuais.
Aniversário pandêmico - sem beijo, sem abraço, sem aglomerações.
Mas, com uma epifania. 

Celebrações e festas são ótimas - eu adoro. Mas, no meio delas, talvez o que realmente importa passe batido. Em isolamento, não foi preciso pensar em reserva de restaurante, ou em quantas pessoas cabem na varanda. Nem se seria uma lista de convidados completa, com direito a chefe e namorada do primo, ou um barzinho com os mais íntimos.
Foi preciso apenas viver o dia.

Fazer uma playlist com as músicas preferidas.
Dar o play ao lado de uma lata gelada de ipa.
Receber mensagens protocolares.
Responder as afetuosas.
Autocelebração com um brownie de chocolate.
Esperar de onde nunca veio.
(Oi, frustração! Entra aí, fica à vontade, você já é de casa!)

Viver o dia é olhar pra tudo que passa por ele. Tem dores e vazios também.

E o que falta, falta.
Mas, e o que tem?

Tem quem tirou dois minutos do dia para te escrever um "parabéns". E, naquele momento, a energia dedicada pensando em você, conta. Preenche.

Focar no que falta não deixa a gente ver a quantidade de lugares bonitos que são presenças. E, ao não percebê-los, nos tornamos ausência.

Eu quero ser ausência?

Uma coisa é se proteger e sair de onde não é seguro, de onde nos machucam. Isso é, inclusive, necessário.
Mas, ser ausência por orgulho, por medo, por vingança... faz buraco na gente também
. 

Apesar de parecer, essa nossa jornada não é uma competição sobre quem lacra mais. Os momentos passam. A raiva se dissipa. E ficam as marcas que deixamos nas pessoas, nas vidas que cruzamos.

É muito melhor ser uma memória bonita. A energia liberada por quem lembra com carinho, compensa. Ainda que anos depois.

A epifania? Quero ser lembrança boa! Inclusive pra mim. Quero fazer desses momentos meus comigo mesma uma recordação de aconchego. 

Gentileza e afeto não têm contraindicação. A dosagem é ilimitada. Pode oferecer para todo mundo. Para você principalmente. Quem não quiser, que dispense. E uma recusa não pode cessar a oferta.

"Gotas de leite bom na minha cara. Chuva do mesmo bom sobre os caretas"







quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Selfie de vinho

Procurando uma foto, inspirada pelo #tbt, fui passando o rolo da câmera do celular em busca de uma minha. Sozinha. Apenas eu.

Depois de passar por zilhões de imagens, a maioria de MM, achei. Eu e uma taça de vinho há dois meses. Uma selfie que nem me agrada. Mas, está  lá.

De fato. Depois de MM, a taça de vinho tem sido minha principal companhia nos últimos quatro meses. E olha que ela nem é tão assídua assim. Mas, quando aparece, ajuda.

É que os últimos quatro meses foram bem revoltos por aqui. Sim, pandemia e confinamento pesam para todo mundo. E, acredito eu, trouxeram à tona questões que não podem mais esperar para ser resolvidas.

Talvez no campo profissional, ou na vida amorosa. No relacionamento familiar, ou na saúde... tudo que estava sendo adiado e deliberadamente ignorado, emergiu. Não há mais espaço debaixo desse tapete.

Por aqui, a caixa de pandora não deixou pedra sob pedra.

Canos podres estouraram. Malas pesadas arrebentaram. Crianças internas feridas espernearam. 

Sentimentos sufocados sufocaram. O que nunca havia sido dito saiu gritado. Expectativas se frustraram. Vidas terminaram. 

Passado o tornado, o desafio é olhar para todo o estrago, respirar fundo e arrumar cada cantinho da bagunça. 

Sem superestimar a resiliência, achando que a faxina vai ser feita todo de uma vez. 

Sem subestimar a resiliência, achando que não vai se adaptar.

Um cômodo de cada vez, tudo vai se ajeitando. Mas, organiza mesmo!
Não dá mais pra juntar tudo numa caixa, fechar, jogar em cima do guarda-roupa e fingir que não existe.

Cedo ou tarde ela cai na sua cabeça.

Encara cada pedacinho que está fora do lugar. Olha para cada caquinho, se ressinta - se estiver fazendo falta - mas, aceite que quebrou. Não cola mais. Junta tudo e joga fora, se não te serve mais.

Se tem conserto, conserte! Coloque a mão na massa, aperte os parafusos, troque a bateria, faça funcionar! Sem gambiarras. Sem remendos provisórios.

Tudo isso é cansativo. Faça no seu tempo. Tudo bem parar pra respirar. 

Toma uma taça de vinho antes de recomeçar. E tira uma selfie. Daqui há alguns meses ela vai servir pra te lembrar que é preciso celebrar porque, apesar de tudo, restou você.  














segunda-feira, 17 de agosto de 2020

A vida dela

É uma sensação estranha... como se essa vida de agora, não fosse dela. Como se estivesse assistindo os acontecimentos. Expectadora de si mesma.

Encara o espelho em busca de algum vestígio. Alguma coisa conhecida, algum traço que rememore aquela de antes.

Mudou o corpo. Mudou o cabelo. Nem as roupas são as mesmas. Nada é igual.

"Quando foi que eu me perdi?" - pensa com o neném no colo, tentando entender se é possível uma operação resgate.

Ela tem um neném. E toma um susto sempre que lembra disso.

"Um filho. Um pedacinho de mim. Melhorado e fofo!", ri, para disfarçar o medo dessa responsabilidade. E se emociona, porque é bonito pensar que um pedaço dela renasceu.

E é aí que está a beleza mesmo. No renascimento.

A vida antiga não existe mais.

O segredo é parar de procurar por ela. E prestar atenção na outra, que renasceu. Que está crescendo. Aprendendo como se recolocar no mundo. 

Aprendendo.

Sabe a paciência? Essa que se tem com o neném, que está aprendendo a andar, a falar e até a lidar com as emoções? Ela também é necessária para se encontrar, se entender e se reconectar depois de um renascimento.

Você não exige que um bebê de 1 ano saia por aí lendo livros de filosofia ou dando palestras sobre como controlar a raiva. 

Essa cobrança também não é justa com você. 

Então, ela - eu - essas mulheres que tentam se harmonizar - pararam por alguns minutos. Olharam o neném dormindo... 

"Vamos sentar pra conversar? Vamos nos acolher? Vamos nos abraçar?"

Honrar a que nos trouxe até aqui. Agradecer todos partos que possibilitaram renascimento. E pegar no colo essa nova versão de nós, que está chegando agora.

A nova vida é essa. Com esse corpo que foi morada. Com esse cabelo que caiu. E deu espaço pro novo, que está crescendo. E com esse moletom confortável de querentena.

Tem explicação na física quântica pra essa reconexão. Mas, eu nuca fui boa em Exatas - nenhuma versão de mim. Agora, intuitivamente (em intuição eu sou boa!), sei que a gente vai se entender. No fundo, a gente se gosta 

:)



quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Ninguém está vindo

No one is coming.

Esse é o título de um dos episódios da minha série do momento, Workin' Moms.  E foi justamente nesse instante sublime de entretenimento, sem nenhuma pretensão de sinapses velozes, que uma grande reflexão surgiu.

Ninguém está vindo.

Ninguém mesmo. 

É você por você.

Uma fatalidade que assusta. 

Mas, que também liberta.

Assusta porque a gente cresceu, especialmente as mulheres, esperando "alguém" chegar. O patriarcado faz a mulher acreditar que o destino dela está condicionado a ser encontrada e assumida por alguém - se der sorte, amada também.

Um belo dia, você se dá conta que esse "alguém" pode até chegar, mas isso não faz a menor diferença. 

Ninguém te salva de si mesmo.

Assusta porque é solitário. Para mães então... Ninguém nunca está vindo. Só o entregador do delivery, porque no nosso eterno "girar de pratos", o do almoço foi o que escolhi deixar cair e quebrar dessa vez. E a entrega normalmente chega e toca o interfone na hora em que a criança dorme.

Essa solidão te acompanha também na madrugada incômoda de dentes nascendo. No estresse do home office mixado com home creche. Na negociação para deixar de ver o bendito vídeo do Homem Aranha - que foi você mesma que apresentou.

Percebe? Ninguém está vindo. 

Você deu o celular na mão da criança pra ela deixar você trabalhar. Ninguém viu. Agora, você também que lute pra ensiná-la que tudo tem limite ((menos a quarentena)).

Tem solidão e tem solitude - palavra da moda que eu entendo como "deleite da solidão". E depois que a gente vira mãe, qualquer cinco minutos sozinha é plena solitude. É hora de comer chocolate sem se esconder. Ninguém está vindo!

Uma taça de vinho na sexta-feira à noite vendo a live do Caetano. Ninguém está vindo!

É libertador!

Você pode ter companhia. Você tem amigos, família, amores. Mãos estendidas que aparecem para ajudar nessa trilha da vida. Mas, nenhum deles pode fazer o que você pode.

E se ninguém pergunta onde dói o calo, pra que se preocupar em explicar porque o sapato está sujo?

É você por você. 

Pra juntar os cacos, quando o prato quebra.
Ou pra celebrar, aquela vitória que só você entende. Pode ser um batom novo, uma noite ininterrupta de sono, um brócolis que passou batido no meio do arroz sem ser rejeitado pela criança, a vacina do corona... 

Ninguém está vindo. Salve-se!

E passa um café forte. Sempre ajuda.