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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Quando o Carnaval chegar

 

“E quem me vê apanhando da vida duvida que eu vá revidar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar

 

Esse verso de Chico Buarque acendeu em mim um milhão de reflexões e vontades nessa sexta-feira de Carnaval confinada.

O brasileiro (que gosta de Carnaval) vive uma verdadeira catarse nessa época do ano. Esquece problemas, mágoas, falta de grana, e vai se curar na folia. Na rua, nos blocos, na avenida, em cima do trio, na pipoca, nos camarotes, na corda, no meio do mato acampado... cada um tem sua fuga preferida. Acho que é isso: o Carnaval é uma grande fuga.

A gente joga purpurina pra cima e sai correndo. São quatro dias (às vezes mais) de uma vida paralela. Uma realidade forjada em muita felicidade, em muita substância que facilita essa felicidade, em amizades fáceis, amores fáceis, sorrisos fáceis.

Isso aqui não é uma crítica. Eu faço parte desse grupo. Muitas vezes me peguei meio depressiva no meio do bloquinho, pensando qual era o sentido daquilo tudo ali, mas estava lá! Acho importante esse respiro. E cada um respira como dá.

Mas, este ano, não vai rolar essa fuga. A realidade que se apresenta é dura e não convém fugir dela. Há uma ameaça invisível, mas que matou muita gente e continua aí.

Aquela onda de abraços em desconhecidos, compartilhando a garrafa de catuaba e usando o mesmo banheiro químico quente, úmido e fedido (essa parte é o preço que se paga)... Reaproveitando o confete caído no chão, todo mundo meio sentado/meio caindo na calçada para tirar a selfie, a volta pra casa no metrô lotado ao som de músicas duvidosas...

Para gente é lazer, pra uma galera é forma de garantir a renda do mês, para outra parte é a vida mesmo, um ano todo em função de construir carros alegóricos, escrever samba-enredo, ensaiar a percussão... A estimativa do setor de turismo é de um rombo de R$ 4 bi. Na economia como um todo, o dobro.

Foi o que a realidade nos impôs. E quanto mais tempo demorarmos a aceitar, mais tempo ela vai continuar dando na nossa cara.

Parafraseando Chico, com adaptações, tou me guardado para quando Carnaval de 22 chegar. Se a gente fizer tudo direitinho e, apesar de quem gostar de atrapalhar, a vacina chegar pra todo mundo, o Carnaval de 22 vai ser uma celebração épica!

“Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada. Quem dera gritar
Tou me guardando pra quando o carnaval (de 22) chegar

Axé!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Estamos aqui

Sobre limites, resistência e privilégios.

 

Eu não sei se sempre foi assim, ou se é efeito do combo pandemia + isolamento, mas ultimamente o BBB tem protagonizado uma série de discussões relevantes, que ajudam a desnudar vários aspectos da nossa sociedade.

Fica evidente, por exemplo, como a casta de privilegiados deste país está desesperada. Esperneia porque não quer perder os privilégios há séculos perpetuados. Esperneia porque agora é cobrada se não respeita liberdade de crença, se não respeita orientação sexual, se insiste nas piadinhas homofóbicas, transfóbicas e racistas. Não gosta quando jogamos na cara deles que o mundo não é só deles.

Para quem não acompanha o reality, essa é a primeira edição do Big Brother com metade dos participantes negros. Mas, não foi um favor ou surto de consciência: 50% de participantes negros e indígenas é obrigação imposta pela CBS, emissora estadunidense detentora dos diretos do Big Brother, depois de uma enxurrada de críticas.

Negros em condição de igualdade incomoda um bocado de gente. Ainda mais se forem negros que sabem do poder que têm e delimitam bem os limites. E apontam incômodos. E dizem do que não gostam.

Ah! Viram logo raivosos. Chatos. Gente grossa! Bom mesmo são os subjugados, né?! Os que “sabem o seu lugar”. Os que engolem a seco e fingem não existir.

Esse mundo não existe mais!

Estamos aqui. As negras. As gays. As trans. As candomblecistas. Vamos exigir respeito sim. Impor limite sim. Que seja no grito, já que sem barulho vocês não se mexem.

Vocês que lutem com as próprias sombras, assumam-se racistas e homofóbicos e vão cuidar disso! Parem de colocar o preconceito de vocês na conta da moral, dos bons costumes, da gramática (por que o todes te incomoda?) e até (que ousadia!) na de Jesus Cristo!

A revolução sempre teve causa. O chilique de vocês é que é vazio.