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quarta-feira, 20 de novembro de 2019

O que dá pra ser

6:00am - despertador.

Tá na hora. Vai começar.


É uma rotina, mas sempre tem uma surpresa. Tem dias que ele está bem humorado e fica feliz no bebê conforto esperando - e observando! como observa :) - eu me arrumar.

Tem dias que ele chora o tempo todo. Bom, não é bem choro. É um protesto. Uma reclamação.

Tem dias que é choro mesmo.

E tem dias que ele dorme até quase a hora de sairmos. 

6:40am - junta a tralha e desce com tudo. 

Não é viagam, mas parece: a bolsa que vai com ele pra creche + a bolsa que vai comigo pro trabalho + a bolsa que vai ficar na casa da avó depois da creche + a bolsa que guarda a bomba de leite + a criança

Acrescente aí um guarda-chuva nesse última semana.

E cada dia uma supresa.

Tem dias que ele vai cantando.

Tem dias que ele vai dormindo.

Tem dias que ele vai chorando. 

o
caminho
todo

Hoje foi um desses dias.

Protesto enquanto eu me arrumava + choro o caminho todo até a creche.

Tudo isso antes das sete da manhã.

Depois disso tem um engarrafamento delícia no caminho pro trabalho.

E só então começa o dia.

.
.
.

Oito horas de labuta. 

Volta pra rotina supresa.

E finge que nada aconteceu, porque seu filho está com saudade. Ele quer colo, quer atenção. Você também está com saudade. E exausta.

A sensação é de que a gente faz tudo, mas não faz nada direito. Hoje queimei a papinha. 

Ontem, esqueci em casa o potinho de armazenar o leite.

Amanhã é uma supresa.

Toda essa confusão, esse esquecimento, esse cansaço, essas olheiras, os comentários de "você está abatida" que ouço... Tudo isso me fez ter a real dimensão da minha imperfeição.

E estou bem em paz com isso.

Eu tenho um monte de falhas. Eu esqueço um monte de coisas. Eu queimo a papinha. Esta semana meu filho está usando roupa apertada porque mudamos do calor pro frio em dois dias, as roupas quentes estão pequenas e eu não consegui comprar novas. Eu esqueço o pote de armazenar o leite pro dia seguinte. Eu deixo o mamão perder. Eu deixo roupa de molho no balde por quase uma semana. Eu limpo a casa à prestação (cada cômodo num dia, quando acabo, tenho que começar de novo). 

Entendi que vai rolar isso mesmo. Simplesmente não dá pra fazer tudo. Esse manual da perfeição é inatingível e insano. 

Rasguei.

Sou humana e não uma supermáquina. O fato de parir não me transforma numa supermulher.

Sou uma mulher que pariu. E que precisa cuidar de um bebê, da vida profissional, da vida financeira, da vida social (eu nem lembro mais como é), da vida amorosa... Com todos aqueles defeitos que eu tinha - e alguns novos que eu descobri.

Algumas dessas áreas aí vão ser negligenciadas. Fato. Mente quem diz que dá conta de tudo. Não dá! Sem ajuda é impossível cuidar de tudo. 

A gente elenca prioridades e vai segurando o que resta no malabarismo.

É bom "humanizar" a maternidade. Somos falhas. É bom e saudável que nossos filhos saibam disso. 

É bom que a gente saiba disso. 

É bom até pra olharmos nossas mães fora desse lugar. São mulheres que também manobraram e fizeram o que deu pra fazer, dentro dessa "humanidade".

Tem dias que dá pra fazer mais - e a gente vai lá e faz.

Tem dias que são mais pesados que o normal - e a louça vai ficar pra amanhã mesmo.

Aliás, a minha panela queimada vai dormir lá, de molho na pia. 

















sábado, 9 de novembro de 2019

Espelho estranho

Sempre que eu me olho no espelho enquanto estou tirando leite no baheiro da firma, levo um susto: quem é esse pessoa refletida ali? Quem é essa mulher? Como ela está diferente do que eu era acostumada a ver... parece uma desconhecida.

Todo dia a mesma coisa. Ordenhar está na lista das "novas atividades cotidianas" desde que eu voltei a trabalhar.


pausa para manifestar a minha estranheza com esse verbo, "ordenhar". acho tão animalesco. mas, amamentar é isso mesmo. animalesco no sentido inclusive dos instintos. aliás, tem muita coisa de animalesca nesse coisa de gestar/parir/alimentar...

Ordenhar. Todo dia tenho que ordenhar porque o peito enche de leite e não tem neném por perto. Aí, você garante o leitinho da criança do dia seguinte, para o momento em que ele perceber que você não está por perto.

O peito cheio de leite mexe mais com o psicológico do que com o físico. Pelo menos pra mim tem sido assim. Quando passa muito tempo, ele começa a empedrar. E dói. Bom, não chega a ser uma dor, mas é desconfortável.

A dor no peito existe, mas é aquela do sentido figurado. Dor de aperto. De angústia. De culpa.

E aí, em meio a essas dores, com a bomba de leite num peito e o outro vazando, a imagem refletida no espelho parece não fazer nenhum sentido. É como se uma outra pessoa tivesse ocupado o meu lugar e eu, assistindo de fora.

Não sei se é porque eu me olho muito menos no espelho agora. Ou porque mudei tanto que nem me reconheço. Ou as duas coisas.

O corpo, cedo ou tarde (ou muito tarde, respeitemos nosso tempo) vai voltando pro lugar. A gestação deixa marcas de recordação, pra te lembrar que um bebê se formou, cresceu e morou ali dentro. 

Um dia você se despede do barrigão da gravidez, depois do inchaço do pós-parto. Um dia seu cabelo para de cair e novos começam a nascer naquelas entradas enormes que surgiram na testa. Durante esse processo tudo parece ser eterno. E você acha que vai ficar assim pra sempre: de moletom e careca. Mas, os meses passam, você se olha e leva um susto quando percebe que  


"uai, parece que está voltando ao normal"
((menos as olheiras, essas aí ainda me acompanham. são fiéis))

Agora, a mudança interna... essa aí te desconfigura inteira. E na essência. Não é uma baguncinha ali de roupas jogadas em cima da cama não. É um tsunami que tira alfinetes e tijolos do lugar. Uma bagunça profunda. Uma bagunça raiz.

E aí, pra se encontrar no meio dessa confusão é complicado. 


Muito mais do que voltar a caber naquele jeans pré-gravidez

Acho que vem daí a estranheza no reflexo do espelho. Muda tanto dentro que começa a refletir fora.

A tal da maturidade, ela também se apresenta. Sabe aquela história de "escolha suas batalhas"? Então... você começa a fazer isso sem nem perceber... é que não sobra tempo - literalmente

"Sem tempo, irmão" 

Pronto. O vidrinho de leite encheu - por hoje é isso. Guarda a bomba, fecha a blusa, finge que se reconhece e segue o baile. 

Antes de sair do banheiro, uma última olhada no espelho: "é... tá estranho, mas talvez seja bom. Vamos dar uma chance pra essa nova pessoa"