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sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Episódio 5: Nada (nada mesmo!) será como antes

Na infância eu tinha medo.
Sempre fazia o caminho mais longo para evitar passar por um.
Até que veio a fase do "quero um!".
Mas, discurso de mãe que cria filhos em apartamento é sempre o mesmo.
"Nem pensar! Não tem espaço nem pra gente direito".
E não tinha mesmo. Você nunca caberia em um apartamento.

Mas, chegou o dia da mudança.
Era uma casa. Grande. Muito espaço.
"Mãe, não tem mais desculpa".
- Eu não vou dar banho, não vou dar comida, não vou cuidar de nada. Se virem!

Mãe sempre tem discurso pronto.

Mas, ninguém resistiria a você! Uma bolinha de pelos! E, eu lembro, a mais quietinha da ninhada. Desde cedo dava sinais de que seria uma lady.

E foi.

No começo, um ursinho chorão. Mas, eu te entendo. Fazia frio e você estava longe dos seus 11 ou 12 irmãos.

Depois, um ursinho cagão.
Mas, a culpa foi nossa. Não deveríamos ter colocado leite na sua ração.

Pra cumprir a promessa, o despertador tocava 15 minutos mais cedo - era preciso trocar os jornais do seu canil antes de ir pra escola.

O canil. 
Rapidinho você aprendeu a fugir dele. Uma bolinha de pelos que escapava pelas grades e corria pra rolar na terra.
Porque quando você chegou ainda era terra. 
Depois veio a brita e só mais tarde a cerâmica. 

Você acompanhou todas as fases - e se divertiu em todas elas.

Quando você chegou eu era uma adolescente retardada. 
Ninguém me amava, só você - eu pensava.
E eu queria tanto que o João Guilherme me amasse... Lembra dele? 
Eu falava dele pra você.

Eu também te falei que não aguentava mais estudar para o vestibular.
E aí, a gente corria atrás dos sacos de supermercado para relaxar.
Você nunca cansava. Você sempre queria mais.

Você também correu comigo pela casa quando saiu a lista de aprovados.
"Tô chorando, mas dessa vez é de felicidade, Leka! Não precisa se preocupar!"
Pronto! Fomos celebrar!

Você acompanhou todas as fases - e me divertiu em todas elas.

Você também foi testemunha de vários segredos.
Nunca contou pra ninguém, mas deixava claro sua desaprovação e logo se retirava.
Você odiava fumaça de cigarro.

Mas, gostava de mamão. E de frango! 
Fazia questão de anunciar que queria um pedaço do "nosso almoço" assim que farejava uma ave no forno.
E sempre ganhava.
E sempre queria mais.
E sempre ganhava.

Você merecia.

A adolescência acabou. As responsabilidades aumentaram.
Eu quase não parava em casa. Mas, sempre que chegava você e seu cotoco, agitado de um lado pro outro, me davam aquela sensação de "home, sweet home".

(E agora?)

A gente não tinha mais tanto tempo pra brincar. Mas, você nunca guardou mágoas disso.
E se eu começasse uma dieta nova, você sempre topava correr comigo pelo condomínio. 
E você corria!
Feliz!

Até que começou a ficar cansada.

Correr atrás de sacos de supermercado continuava legal, mas você às vezes caminhava - e já não pulava tanto.
Mas, estava lá!

Você sempre estava lá. Era só chamar.
E quando eu chegava em casa de madrugada - voltando da balada ou de um plantão cansativo - você sempre estava lá.

Ultimamente você não levantava mais para me receber.
Mas, sempre espichava o pescoço e balançava o cotoco.

(E agora?)

Eu pedi pra você me esperar! Eu falei que voltaria rapidão!

E agora?

Desculpa querer que você ficasse, mesmo com dor. É que eu sou egoísta mesmo. Queria ver seu cotoco balançando mais uma vez.

Desculpa por todas as vezes que você trouxe a bolinha e eu não tive paciência de jogar.
Por todas as vezes que eu te ameacei com a varinha para você parar de fugir.
Por todas as vezes que eu gritei quando você espirrou na minha perna.

E obrigada por me amar quando ninguém mais amava - mesmo depois de eu me recusar a jogar a bolinha, te ameaçar com a varinha e gritar pra você não espirrar na minha perna.

Obrigada por correr comigo.
Obrigada por me abraçar depois que eu chegava da corrida - e você não podia mais me acompanhar.
Obrigada por nos proteger e avisar quando alguma coisa estava fora de ordem.
Obrigada por ter acompanhado tudo.
Obrigada por sempre estar lá.

E como o "sempre" sempre acaba
Dessa vez, você não estará.

;(



11 anos de amor

8 comentários:

  1. A separação dói, eu sei. Mas amor é pra sempre. Guarda no coração, que é a morada segura pra esse tipo de gente.
    Beijo procê!

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    1. Guardadinha, comps! E obrigada por estar sempre aqui tb! 😘

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  2. Poxa Carolzita, sinto muito. Sei como é essa dor de perder nossos amiguinhos.. tem coisas que só eles entendem. Mas como vc disse, ela sempre tava la.. e eles nao sao ressentidos, só amam e amam! Mas essa dor da nossa saudade vale a pena, pq isso quer dizer que vc amou como eles... só amou... fica bem tá :*

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    1. Dói, né?! Mas, é como vc disse... O amor fica! Beijo, xará!

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  3. Compartilho a mesma dor, mas também compartilho muitas dessas felicidades que você citou. A saudade só existe onde existe amor.

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Leka tb acompanhou as dores e as delícias de todos os meus irmãos "temporários". Vc foi o primeiro, né?! Ela te amava tb!

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  4. Não! 😯😯😯😭😭😭😭
    E agora? Qual terei confiança para Alice brincar?
    Sinto muito!

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