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segunda-feira, 4 de maio de 2020

A última vez

Quantas coisas você fez pela última vez hoje?

Será que dá pra saber?

Há sete meses eu vi minha avó pela última vez. Mas, eu não sabia.

Abracei, beijei, pedi a benção. Pela última vez. Sem ter a menor ideia.

Se eu soubesse, faria diferente? Abraçaria mais demorado? Ficaria mais tempo sentido o cheirinho dela?

Talvez.

Mas, eu não sabia. Apesar de ser uma possibilidade real, a gente nunca admite e faz os cálculos, e toca a vida, sem contar com isso.


***

Mês passado uma frase de Cesare Pavese apareceu para mim duas vezes na mesma semana, num filme e num livro:

::Não nos lembramos de dias, lembramo-nos de momentos::



Sinto-me muito contemplada, Pavese. Entendo perfeitamente o que você quis dizer.

A correria, as obrigações, o lixo acumulado que precisamos levar pra fora, o discurso do presidente que desequilibra mentalmente... toda essa poluição diária faz a gente perder os momentos. 

A gente passa por eles e nem se dá conta que podem ser pela última vez. Que aquele pequeno instante vai ser a lembrança boa, vai fazer a gente fechar os olhos de alegria ao relembrar.

Tem os momentos épicos, que a gente vive e sabe que são épicos. Tipo, um banho de cachoeira depois de uma hora de trilha pesada. Ou, o gole de cerveja quando acaba o jogo e seu time ganha o campeonato.

(saudades dessas duas coisas! que momentos!)

E tem momentos cotidianos que parecem rasos, mas que fazem a gente sorrir sozinho quando lembra. Tipo, seu cachorro filhotinho tentando subir o degrau da garagem e dando cambalhota quando cai por ser pequeninho demais. Ou, o olhar de um bebê que, depois de fazer um esforço enorme, consegue rolar pela primeira vez.


Dura cinco segundos. Mas, fica para sempre.

As 'últimas vezes' acontecem todo dia. A morte torna isso palpável. E, em tempos de pandemia e confinamento, essa ideia ronda a cabeça da gente de forma mais constante. Mas, a última vez não depende dela.

Antes de aprender - ou descobrir que podia - se levantar sozinho, Murilo andava a casa todo arrastando o bumbum no chão. Foi uma semana assim. Até que uma manhã, foi a última vez. Tentou uma, duas, três: levantou! Sem apoio nem ajuda. E nunca mais precisou se arrastar.

(e nunca mais ficou parado no mesmo lugar por mais de dois minutos)

Qual foi a última vez que você brincou de pique-esconde com seus primos?

Um dia a brincadeira acabou, vocês foram tomar um refrigerante e nunca mais brincaram de novo. Foi a última vez. E ninguém sabia.


Qual foi a última vez que você dormiu no colo da sua mãe?
Um dia ele te ninou, te colocou na cama, e dali em diante você passou a adormecer sozinho. Foi a última vez. Ela não sabia. Nem você.

O último beijo de um casal que se separa. Alguém sabia?

A última vez que você se aglomerou, quando foi?

(não vale se você é a Gabriela Pugliesi ou frenquenta manifestação com pauta antidemocrática)

A última vez que você apertou o botão do elevador sem medo do corona?

Ninguém sabia que era a última.

Agora, não dá também pra saber quando vai ser a próxima.

O que nos resta é o que realmente importa: o momento presente.

Os dias difíceis (os fáceis também) caem no esquecimento, viram um amontoado que a gente deleta porque não consegue achar nada nesses arquivos.

Já os momentos bons ficam com a gente. E podem ser usados para dar leveza, se o dia estiver sendo difícil.











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