Será que dá pra saber?
Há sete meses eu vi minha avó pela última vez. Mas, eu não sabia.
Abracei, beijei, pedi a benção. Pela última vez. Sem ter a menor ideia.
Se eu soubesse, faria diferente? Abraçaria mais demorado? Ficaria mais tempo sentido o cheirinho dela?
Talvez.
Mas, eu não sabia. Apesar de ser uma possibilidade real, a gente nunca admite e faz os cálculos, e toca a vida, sem contar com isso.
***
Mês passado uma frase de Cesare Pavese apareceu para mim duas vezes na mesma semana, num filme e num livro:
::Não nos lembramos de dias, lembramo-nos de momentos::
Sinto-me muito contemplada, Pavese. Entendo perfeitamente o que você quis dizer.
A correria, as obrigações, o lixo acumulado que precisamos levar pra fora, o discurso do presidente que desequilibra mentalmente... toda essa poluição diária faz a gente perder os momentos.
A gente passa por eles e nem se dá conta que podem ser pela última vez. Que aquele pequeno instante vai ser a lembrança boa, vai fazer a gente fechar os olhos de alegria ao relembrar.
Tem os momentos épicos, que a gente vive e sabe que são épicos. Tipo, um banho de cachoeira depois de uma hora de trilha pesada. Ou, o gole de cerveja quando acaba o jogo e seu time ganha o campeonato.
(saudades dessas duas coisas! que momentos!)
E tem momentos cotidianos que parecem rasos, mas que fazem a gente sorrir sozinho quando lembra. Tipo, seu cachorro filhotinho tentando subir o degrau da garagem e dando cambalhota quando cai por ser pequeninho demais. Ou, o olhar de um bebê que, depois de fazer um esforço enorme, consegue rolar pela primeira vez.
Dura cinco segundos. Mas, fica para sempre.
As 'últimas vezes' acontecem todo dia. A morte torna isso palpável. E, em tempos de pandemia e confinamento, essa ideia ronda a cabeça da gente de forma mais constante. Mas, a última vez não depende dela.
Antes de aprender - ou descobrir que podia - se levantar sozinho, Murilo andava a casa todo arrastando o bumbum no chão. Foi uma semana assim. Até que uma manhã, foi a última vez. Tentou uma, duas, três: levantou! Sem apoio nem ajuda. E nunca mais precisou se arrastar.
(e nunca mais ficou parado no mesmo lugar por mais de dois minutos)
Qual foi a última vez que você brincou de pique-esconde com seus primos?
Um dia a brincadeira acabou, vocês foram tomar um refrigerante e nunca mais brincaram de novo. Foi a última vez. E ninguém sabia.
Qual foi a última vez que você dormiu no colo da sua mãe?
Um dia ele te ninou, te colocou na cama, e dali em diante você passou a adormecer sozinho. Foi a última vez. Ela não sabia. Nem você.
O último beijo de um casal que se separa. Alguém sabia?
A última vez que você se aglomerou, quando foi?
(não vale se você é a Gabriela Pugliesi ou frenquenta manifestação com pauta antidemocrática)
A última vez que você apertou o botão do elevador sem medo do corona?
Ninguém sabia que era a última.
(não vale se você é a Gabriela Pugliesi ou frenquenta manifestação com pauta antidemocrática)
A última vez que você apertou o botão do elevador sem medo do corona?
Ninguém sabia que era a última.
Agora, não dá também pra saber quando vai ser a próxima.
O que nos resta é o que realmente importa: o momento presente.
Os dias difíceis (os fáceis também) caem no esquecimento, viram um amontoado que a gente deleta porque não consegue achar nada nesses arquivos.
Já os momentos bons ficam com a gente. E podem ser usados para dar leveza, se o dia estiver sendo difícil.
Os dias difíceis (os fáceis também) caem no esquecimento, viram um amontoado que a gente deleta porque não consegue achar nada nesses arquivos.
Já os momentos bons ficam com a gente. E podem ser usados para dar leveza, se o dia estiver sendo difícil.
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