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quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

É preciso sentir!

 

Enquanto ancestral de quem tá por vir, eu vou

Esse verso do Emicida eu ouço desde o ano passado, quando escutei “Principia” pela primeira vez. Mas, foi ontem que ele ecoou profundamente em mim. Caiu a ficha de que MM me fez uma ancestral em vida. E isso é muito forte!

A ancestralidade não descansa. E a filosofia ubuntu traduz isso: “eu sou, porque nós somos”.

Somos!

Eu carrego comigo a força, a coragem, a resistência de toda a minha ancestralidade. E estou aqui para honrar tudo isso. A vitória não é minha, é nossa. Os problemas não são meus, são nossos.

E isso se reflete para além da vivência espiritual (tão menosprezada em nome do sistema de dominação ocidental). Isso é a vida em comunidade em África. A professora Sobonfu Somé tem um relato belíssimo de como os povos de Burkina Faso vivenciam o ubuntu.

“Todas as mães são mães de todos”.

Não existe problema pessoal, a comunidade se organiza para que todos consigam estar em harmonia. Todos são responsáveis por todos. Entre mães, que é o que mais me interessa aqui, os filhos são de todas.

Todas por uma. Uma por todas.

Já pensou que louco?

O princípio da coletividade é tão vívido que o entendimento é de que quando uma doença chega é para apontar que algo na comunidade não funciona bem.

Oi, coronavírus.

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Invoco o ubuntu para defender cada vez mais o aquilombamento da mães pretas, e das mães de crianças pretas. Cuidemos de cada uma delas como se fossem nossas – são nossas!

É por isso que doem aqui as mortes de nossas crianças baleadas a esmo numa terra sem lei. Não são apenas doze mães que perderam seus filhos pro genocídio nas favelas do Rio de Janeiro este ano. Todas nós perdemos essas crianças.

Esse sistema, vendido como civilizado, pautado na lógica iluminista da razão como única forma de existência, é o sistema que não vê problema em deixar o filho da empregada sozinho no elevador, para se perder e cair do 9º andar.

Foi essa lógica existencialista do “penso, logo existo” que desqualificou a filosofia kemética do “sinto, logo coexisto”.

Sentir! É preciso sentir!

Um esforço coletivo, de partilha, de cuidado, de interdependência. Faz bem para saúde mental das mães, protege as crianças, constrói uma sociedade. E não seres humanos insulados.

Para nós, mulheres pretas, isso é basilar. Isso é o que de fato somos. Aquilombemo-nos!

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